jj27122023

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Neste Natal e no avizinhar de um novo ano;
o Kairós no Chrónos e o acolher da novidade da Sua Graça.

O final do ano é naturalmente e sempre um tempo de balanços e de formulação de desejos para o novo ano que se avizinha. Fomos capazes ao longo deste ano de percorrer em conjunto um caminho de oração de Completas que nos aproximou espiritualmente uns dos outros e nos permitiu desenvolver uma certa disciplina de oração tão necessária ao maturar da nossa fé em Jesus Cristo. Fruto de esse caminhar semanal fomo-nos apropriando da riqueza da liturgia e das orações do Serviço de Completas, que nos ajudam a dar graças pelo dia que passou e nos levam a confiar a nossa vida a Deus durante as horas silenciosas da noite. Cada Serviço de Completas ajuda-nos a perceber também que o tempo que vivemos é um dom de Deus, pleno de novas oportunidades e desafios que a vida sempre nos propõe. Cada dia da nossa vida é único e irrepeOvel e constrói a história da nossa própria salvação mesmo que por vezes não tenhamos disso consciência. Dai a riqueza da oração das Completas, que nos permite fechar o ciclo do dia com ação de graças, abrindo-nos desde logo, à paz espiritual da noite, que nos renova para o acolher da nova proposta de salvação que o amanhecer de um novo dia nos irá oferecer. Tão importante como o repouso Ssico de que o nosso corpo carece e que o
descansar da noite lhe proporciona é também a paz espiritual que a noite nos concede e que nos vai tornar capazes de acolher no dia seguinte a graça de Deus, que uma vez mais virá até nós. Dai o salmista nos dizer: «Enche-nos do teu amor ao romper do dia, para que cantemos sempre de alegria e de felicidade».


O ritmo da oração diária na vida do crente e de cada um de nós permite de certa forma que nos libertemos da prisão do tempo Chrónos(cronometrado), que mais não é do que esta linha inalterável e continua que nos aprisiona diariamente na sua teia. A oração, ou seja, a comunhão com Deus, inscreve desde já e no nosso coração a Sua eternidade que alarga o horizonte do nosso sentir e pensar tornando-nos mais sensíveis e recetivos ao dom da Sua graça. Esta comunhão orante com o Senhor da Vida e do Tempo, permite desenvolver em nós o tempo Kairós no qual «a totalidade nos abraça e nós abraçamos a totalidade». O tempo passado em oração introduz-nos na realidade de um outro tempo e de um outro modo de estar a que chamamos Kairós. No tempo Kairós, o fazer dá lugar à contemplação, o falar à escuta, e a sofreguidão à calma. Se quisermos é por excelência o tempo que marca o Natal que celebramos e que se expressa na vigilância ativa dos pastores, no discernimento e o ousar dos reis magos, na quietude e no silêncio da noite santa, no saber dar lugar e espaço aos animais e no cuidado e na contemplação de José e de Maria. No Natal percebemos o tempo como lugar do irromper de Deus para nós e por nós. O Natal trouxe o eterno para o nosso tempo. A encarnação de Deus na
história da humanidade trouxe o tempo do céu para o tempo da terra e tornou possível vivermos desde já e no nosso tempo o encontro pleno com a divindade. Este estar presente no acolher da novidade do tempo Kairós que contem sempre a graça de Deus, não nos retira do mundo antes nos permite perceber, viver e assumir a sua «real realidade», ou seja, a sua essência e centelha divina que não se confunde com fugazes e superficiais episódios que muitas vezes carecem de sentido e de humanidade e que são meramente pontuais. Não é o tempo «quantificado» que dá alma ao mundo, mas antes o tempo «qualificado» pela experiência da graça e do dom de Deus.

Assim e deste modo, e neste final do ano que se nos oferece viver, o balanço que Deus nos pede é de outra natureza e significado. Para Deus não conta tanto a quantidade de realizações alcançadas no decorrer do tempo normal cronometrado, que chamamos de horas, dias, semanas ou meses. Para Deus conta sim, se soubemos ou não agarrar as oportunidades únicas e de qualidade que Ele mesmo colocou no nosso caminhar e que passam muitas vezes por encontros inesperados, por conversas tidas ou por experiências sensíveis. Em jeito de balanço e reflexão, podemo perguntar se predominou em nós o tempo Chrónos ou o tempo Kairós? Fomos prisioneiros do tempo ou agentes construtores de novos tempos e novas realidades? Quantas conversas adultas e humanas tivemos com os outros? Que espaços de espiritualidade e de oração fomos capazes de vivenciar e que nos permitiram conectar o tempo Chrónos com o tempo
Kairós da nova oportunidade? Que aberturas sinceras de coração fomos capazes de ter com Deus no decorrer do ano que agora finda? Soubemos viver a oportunidade do instante que se nos ofereceu? Soubemo-nos deixar surpreender e conduzir por outros? Vivemos a lição que cada acontecimento dramático da vida sempre nos traz?

A resposta interior e sincera a estas e outras questões de natureza espiritual como que preparará um novo caminhar no novo ano que se avizinha. O ano só será verdadeiramente «novo» e feliz se soubermos aproveitar as novas oportunidades de crescimento e santidade que Deus no Seu Amor nos irá uma vez prodigalizar em cada novo dia e em cada novo instante. Dado que Deus não desiste de nós e não abandona o nosso caminhar histórico, a sua novidade na ação do Espírito Santo, tornar-se-á presente no nosso dia, na nossa noite, no nosso caminhar. Captar essa novidade é o desafio que se requer de cada homem e mulher, de cada crente e da Sua Igreja. Para que tal aconteça e não sermos vencidos pelas rotinas e tradições já velhas e gastas, importa no novo ano, olhar tudo de novo e pela primeira vez. Não é o que vemos que está velho, mas sim o modo e o sentir com que olhamos a realidade que uma vez mais se nos oferece.

É a partir desta esperança sempre renovada e ao nosso alcance, que devemos olhar o novo ano que se nos oferece. O tamanho e a densidade das trevas do pecado que nos cerca, requerem de cada um e de todos, esta abertura humilde e confiante à graça de Deus que, por amor, virá uma vez mais a cada um(a)de nós. Nada nem ninguém nos poderão separar do amor que Deus nos deu a conhecer em Jesus Cristo.(Rm 8,39). Para o novo ano Deus só nos pede acolhimento da Sua novidade. O Espirito Santo proverá. Amén.

+ Jorge

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