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Homilia 24.º Domingo Comum

17 de setembro 2023

Tempo da Criação

Da Criação ao Sacramento

«Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ámen»

«O céu proclama a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra da sua criação. Cada dia transmite essa mensagem ao dia seguinte e cada noite diz o que sabe à outra noite. Tudo isto é ouvido sem discursos nem palavras, sem a emissão de qualquer som. Contudo a sua proclamação ressoa em toda a terra e a sua mensagem chega aos confins do mundo.» (Salmo 19, 2-5)

Este belíssimo texto ou se quisermos belíssimo poema que no contexto do Tempo da Criação o Salmo de hoje nos apresenta é um hino de louvor que enaltece a glória de Deus manifesta na beleza, na imensidão e no mistério da Criação. A beleza e majestade de tudo aquilo que nos rodeia e envolve, como o céu, o firmamento, as estrelas, o mar, os rios e os campos, são nas palavras do salmista «um silencioso e continuo louvor ao Criador». E diz também o salmista: «tudo isto é ouvido sem discursos nem palavras, sem a emissão de qualquer som». Mais do que o falar ou o discorrer sobre a Criação, o salmista remete-nos para a contemplação, para a escuta, para o acolhimento e para o cuidado da natureza que nos envolve; dos seus sons, das suas cores, dos seus cheiros, dos seus animais e das suas espécies. Mais do que da ordem do fazer e do transformar a nossa relação com a Criação e com o Criador, deve sustentar-se antes, no acolhimento, na interpretação, no deslumbramento e no cuidar de tudo aquilo que por amor nos é confiado.

Os Salmos na Bíblia apresentam-nos a Criação de Deus enquanto bênção a ser acolhida e usufruída. Não só pela sua beleza e majestade, mas também porque nela está presente uma música silenciosa, uma voz muda, poderíamos dizer uma continua oração, que o salmista diz «que ressoa em toda a terra e chega aos confins do mundo». Neste sentido, Martinho Lutero afirmou que: «Deus escreve o Evangelho – a Boa Nova, não apenas na Bíblia, mas também nas árvores, nas flores, nas nuvens e nas estrelas».

Esta permanente revelação que Deus nos oferece de si mesmo através da sua Criação, requer agora de cada um de nós, uma espiritualidade interior de cuidado, capaz de acolher esta mensagem de Deus e ao mesmo tempo capaz também de louvar ao Criador. Para cuidarmos da Criação que Deus nos confiou temos também que saber cuidar de nós próprios, cuidar da nossa vida interior, da nossa vida espiritual e abrirmo-nos sem medo ou complexos ao diálogo e à relação existencial com Deus criador, plenamente revelado e assumido em Jesus Cristo, o filho de Deus, o Verbo (que como nos diz S. João) por quem tudo foi criado e por quem tudo começou a existir.

É esta espiritualidade nova que nos vai permitir abrir o «olhar da alma», que por sua vez nos permite «ver para além de qualquer paisagem e alcançar para além de qualquer horizonte» como afirmou Leonardo Boff. Se quisermos, e hoje que iremos celebrar um batismo, este outro «olhar da alma» a que somos chamados pode-se também denominar de um «olhar sacramental», capaz de ver a Criação, as suas criaturas e os seus elementos como sacramento ou seja sinal de Deus e da sua divina vontade. Este «olhar sacramental» requer então uma «conversão do olhar» e da alma que permita compreender nas realidades do mundo, outros sentidos e significados para além da sua materialidade.

Era e é, este, o «olhar de Jesus Cristo», que verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem se inspirou na natureza, nas pessoas, nos animais, nas plantas e flores para nos apresentar e falar das realidades amorosas de Deus; disse Jesus: «O Reino de Deus é como uma semente lançada à terra, ou o Reino de Deus é como um grão de mostarda.  Olhai para as aves do céu, que não semeiam, nem colhem, nem amontoam grão nos celeiros e reparem como crescem os lírios do campo». É este olhar e esta vida sacramental que leva também Jesus a entrar nas águas do rio Jordão e deixar-se batizar por João Batista e na última ceia com os seus discípulos, a tomar o pão e o vinho, frutos da terra e do trabalho do homem e da mulher, e conferir-lhes (à luz da sua paixão e ressurreição que se iriam realizar) o sentido do seu próprio corpo e sangue ressuscitados. Deste modo, Jesus Cristo, assumindo plenamente as realidades do mundo santifica-as, conferindo-lhes a sua realização plena.

É na continuidade e acolhimento deste dom e vivência sacramental de Jesus, que hoje vamos celebrar em Igreja, Corpo de Cristo, o sacramento do batismo da pequenina Maria Teresa. Sendo um sinal visível de uma graça invisível, a Igreja crê, que na água derramada, na invocação da Santíssima Trindade e na ação do Espírito Santo, a bebé Teresa renasce para uma nova vida e é configurada a Cristo na sua morte, paixão e ressurreição. O sacramento realizado requer então o olhar da fé e o acolher confiante do coração para que a graça, dom do amor de Deus, se manifeste agora plenamente no crescer espiritual da Maria Teresa.

Realizamo-lo ao domingo, o terceiro dia, o dia da Ressurreição, o dia do Senhor. É esta a razão de estarmos reunidos e de sermos Igreja comunidade de batizados, o povo santo de Deus que partilha da vida do Deus Santo.   A alegre surpresa do batismo, de cada batismo é que Jesus comunica, doa, presenteia-nos a sua santidade. A este propósito cito o teólogo Raniero Cantalamessa quando diz : «Cada pai humano pode transmitir aos filhos o que tem, mas não o que é. Se for um artista, um cientista, ou também um santo, não é certo que os filhos nasçam também eles artistas, cientistas ou santos. Ele, pode no máximo, ensinar-lhes, dar-lhes um exemplo, mas não transmitir-lhes como por herança. Jesus, ao invés, no Batismo, não somente nos transmite o que tem, mas também o que é. Ele é santo e faz-nos santos; É filho de Deus e faz-nos filhos de Deus». Simbolicamente esta santidade está expressa nas vestes brancas de que hoje a Teresa está revestida. Somos assim um povo santo porque no batismo nos é dado o Espírito de Deus, que nos reúne num só corpo. Como alguém também já afirmou: «é difícil descrever a santidade, porque um santo é alguém que está a caminho de se tornar verdadeiramente ele próprio. Por isso há tantos modos de ser santo quantos os seres humanos». É assim que os pais, os padrinhos, a família da Teresa e esta comunidade cristã, assumem também agora a responsabilidade de educar e encaminhar os passos da Teresa no caminho de Jesus, no caminho da santidade. Devem-no fazer sempre em verdade e em liberdade sustentadas na oração e na prática eucarística dominical. Este caminho da santidade assume muitas vezes caminhos inesperados e novos, caminhos não previsíveis ou sequer desejados. Caminhos que nos levam por vezes aos locais aonde gostaríamos de ir e outras vezes aos locais aonde somos precisos. Inicia hoje, pois, a Teresa um caminho com Deus, que melhor do que ninguém saberá o que ela necessita, para ser verdadeiramente pessoa na sua relação com Deus, com o próximo e com a Criação. Uma nova vivência espiritual que a coloca desde já na senda da eternidade que Cristo lhe abriu com a Sua Ressurreição.

Com alegria e também com emoção e na minha dupla qualidade de bispo da Igreja e de tio avô da Teresa, assinalo que hoje e com este batismo, se inicia o caminho e a presença nesta Igreja do Torne, da sexta geração da família Pina Cabral. Assinalar este facto é tão só, dar graças a Deus por todos aqueles e aquelas que nos precederam na fé e que nos souberam legar um exemplo de vida e de testemunho cristão e nos trouxeram também eles às águas do batismo. Não estamos aqui por tradicionalismo familiar antes por tradição viva da fé da Igreja.

Simbolicamente e no contexto do Tempo da Criação que estamos a celebrar e cujo tema se sustenta na primeira leitura feita e que diz: «quero que a justiça corra como as águas, e o que é reto, como um rio que nunca seca» iremos plantar na continuidade da celebração uma árvore de oliveira no jardim da Igreja. Não será apenas mais uma árvore, Mas à luz do olhar sacramental que Jesus nos concede será sim um sinal de esperança e de vida que queremos confiar às novas gerações.

Assim Deus nos ajude.

+ Jorge

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