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No início de um novo ano
 
Do conjunto das muitas saudações, votos e desejos para o novo ano, houve um pensamento que me interpelou e que se sustentava numa pergunta e consequente resposta: A pergunta era: «O que é que o novo ano nos irá trazer? E a resposta à pergunta dizia : 365 oportunidades!» (ou seja, uma oportunidade por cada dia do ano).

Verdadeiramente ninguém pode adivinhar o que vai acontecer no decorrer do ano que agora se inicia. Podemos quando muito fazer previsões e criar condições que sustentem o nosso caminhar. No entanto, todos percebemos, que a vida é feita de situações imprevisíveis, de novos e inesperados acontecimentos no plano social e individual, que não controlamos e que de repente abalam as nossas seguranças e certezas e revelam a nossa própria vulnerabilidade. Para perceber esta dinâmica e complexa realidade em que vivemos é aconselhável sempre, e no início de cada ano, olhar mais para trás, do que propriamente para a frente, procurando realizar uma retrospetiva do que aconteceu e de uma forma particular influenciou a minha vida, a minha fé e a minha relação com os outros. Olhar para trás pensando no futuro e tomando consciência dos erros e falhas cometidas e buscando o arrependimento do pecado realizado, que me afastou de Deus, do próximo e da Criação. É interessante verificarmos que, consciente ou inconscientemente, este desejo de renovação e de certo modo de purificação, do ano findo, (este «olhar para trás») está presente no ritual do mergulho no primeiro dia do ano nas águas frias do mar invernoso. São as imagens que vemos na televisão, no primeiro dia do ano, nas praias de norte a sul de Portugal. Como que, no descer às águas, presente no corajoso mergulho, se procura limpar e esconjurar tudo aquilo que de mau aconteceu buscando agora uma nova energia e ânimo para o ano vindouro.  Ritos coletivos que expressam a humana necessidade de recomeço e de vida nova.

Acontece que, e ao contrário do que habitualmente pensamos, a vida não é só um suceder de acontecimentos e um repetir de tradições, mas requer, também, o ainda mais corajoso mergulho de cada um na sua própria profundidade e escuridão, uma viagem interior às suas próprias águas batismais que requer tempo e humildade, arrependimento e abertura à novidade de Deus. É o «olhar para trás» presente na confissão dos pecados, que nos leva a ajoelhar perante o Senhor, e que torna depois possível, o nosso reerguer pela Graça da absolvição recebida.

As novas oportunidades resultantes da dinâmica e da novidade inerente à própria vida e de que nos fala o pensamento inicial, serão geradoras de crescimento e de novos e ricos desenvolvimentos, quanto mais forem colocadas perante Deus em oração. Os acontecimentos mais sofridos e dolorosos que possamos vir a encontrar e viver no decorrer deste ano, podem também ser oportunidades de profundo crescimento interior, humano e espiritual. Claro que ninguém deseja a outra pessoa, uma doença, uma separação matrimonial, uma ida para o desemprego, um desastre natural ou um contexto de guerra. No entanto, todos percebemos que esta realidade sofrida (e muitas vezes causada pelo pecado humano), vai estar presente e nos vai afetar e condicionar no decorrer deste novo ano. Quando formulamos então aos outros o voto de «um bom ano» não se trata, pois, de procurar que o outro viva numa bolha existencial, uma espécie de «condomínio privado» imune às realidades da vida. Trata-se antes de conferir a essas mesmas realidades um sentido de esperança e de amor só possível pela presença de Deus connosco, dom que celebrámos no Natal. A doença que nos vai tocar, a experiência menos feliz que iremos viver, a contrariedade que iremos enfrentar, irão constituir também, novas e renovadas oportunidades de crescimento humano e espiritual.

Em todo este posicionamento de fé perante a vida e perante o novo ano nas suas exigências e oportunidades, joga um papel fundamental a oração enquanto sustento da nossa própria relação pessoal com Deus na ação do Espírito Santo. Através da sua encarnação celebrada no Natal, Cristo veio-nos revelar um outro modo de falar com Deus. Trata-se de falarmos com Deus enquanto nosso Pai e Mãe e tal só é possível através do Espírito de Jesus, o Espírito Santo. Oramos porque Cristo está em nós e é Ele que eleva a nossa oração a Deus. Neste sentido, a oração não é tanto o que fazemos ou dizemos, antes o que deixamos Deus dizer e realizar em nós. O propósito da oração é o de permitir que cada pessoa cresça na «humanidade de Cristo».

Para que tal aconteça importa também não fazer da oração uma espécie de «aspirina espiritual» pronta a usar perante qualquer problema ou adversidade. Uma espécie de varinha mágica capaz de imediata e espontaneamente resolver a lista de problemas que colocamos perante Deus. Não menorizemos Deus procurando-o forçar a fazer e realizar aquilo, que nós consideramos, ser importante. O nosso Deus não é um Deus milagreiro pronto a alterar a realidade complexa inerente à própria vida da qual Ele é a fonte e a origem. O modo como oramos pode não só nos afastar de Deus como também ser um mau testemunho para outros que buscam a Deus.

Um bom propósito para o ano que agora se inicia será pois o de pedir a Deus que nos ajude a crescer na profundidade e exigência da própria oração. Aí sim, através de uma vida de oração, o mundo é transformado e cada oportunidade na vida é sempre uma bênção de crescimento que Deus nos oferece. Ou seja, 365 bênçãos que estão agora ao nosso alcance.

Um bom ano de oração para todos no aproveitamento e usufruto das sempre novas e renovadas oportunidades que Deus nos vai conceder!

Que assim seja!
+ Jorge Pina Cabral, 4 de janeiro de 2023

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