Festa de S. Miguel e Todos os Anjos

A Igreja celebra hoje no seu calendário de Dias santos e festas maiores, a festa de S. Miguel e Todos os Anjos. É a única festa deste calendário que nos introduz no tema dos Anjos dado que as restantes se referem a festas ligadas aos Apóstolos, aos Evangelistas, a Nossa Senhora, a episódios da vida de Jesus Cristo e aos Santos (no dia 1 de novembro).

Hoje na oração própria do dia oramos dizendo : « Senhor Deus das hostes celestiais, criaste os anjos para Te adorarem e servirem. Concede que, inspirando o nosso culto, eles nos socorram e fortaleçam na nossa luta contra o mal».

A referência aos anjos é bíblica e sendo bíblica torna-se também litúrgica. A anunciação da encarnação de Jesus foi feita a Maria (e como tal à humanidade) através do Anjo Gabriel quando este refere (como nos é dito no Evangelho de S. Lucas) : «Eu te saúdo, ó escolhida de Deus. O Senhor está contigo…. não tenhas medo, Maria, pois foste abençoada por Deus». Também no mesmo Evangelho e no episódio precedente a este, o mesmo anjo Gabriel diz : «Não tenhas medo Zacarias …. Eu sou Gabriel. Estou ao serviço de Deus e ele mandou-me falar contigo para te dar esta boa nova».

O anjo assume aqui uma função de anunciador dos planos de Deus, planos bons para a humanidade, mas ao mesmo tempo surpreendentes e desafiantes para quem os recebe. Ao mesmo tempo que anuncia estas surpresas de Deus, Gabriel sabe tranquilizar Zacarias e Maria dizendo : «não tenham medo».

Biblicamente também os Anjos estão ao lado de Deus na luta contra os poderes do mal. Na leitura que escutamos hoje no livro do Apocalipse (ou seja da Revelação) é nos dito que: «Foi então que no céu se deu uma batalha. Miguel e os seus anjos declararam guerra ao dragão, e por sua vez, o dragão e os seus anjos responderam, mas foram vencidos e desapareceram do céu definitivamente».

Interessante também notar que para além desta missão de anunciadores dos planos de Deus, e da missão de estarem ao lado de Deus no combate ao mal, é nos dito ainda pelo próprio Jesus, no Evangelho de hoje, que cada pequenino (ou seja, cada criança ou indefeso) tem um anjo pessoal que está sempre na presença do Pai e que vela por cada um deles: «Tenham cuidado! Não desprezem nem um só destes pequeninos! Pois declaro-vos que os anjos deles, lá no céu, estão sempre na presença de meu Pai celestial!».

As referências aos anjos e ao seu papel no plano da salvação de Deus que a Bíblia como vimos nos apresenta, ganham uma bonita expressão litúrgica quando percebemos também que o nosso louvor a Deus e a proclamação da sua glória são acompanhados no céu pelos anjos. É assim quando no decorrer da oração eucarística o ministro refere: « portanto, com os anjos e os arcanjos,e com todos os santos no céu, proclamamos a tua glória cantando com alegria : Senhor, santo, santo, santo, Deus de poder e majestade, o céu e a terra estão cheios da tua glória. Hossana nas alturas».

Este entendimento de um louvor litúrgico permanente a Deus, tanto na terra como no céu, é também referido e acentuado no prefácio eucarístico próprio para a festa de hoje que diz: «e agora te damos graças porque ordenaste anjos para o teu serviço de modo que, tanto por eles no céu como por nós na terra, sejam incessantemente aclamadas a tua santidade e a tua glória».

Ou seja, o nosso ato de louvor litúrgico insere-se numa oração contínua e permanente, que congrega não só, os que estão na terra, mas também os anjos e os santos, todos os que estão em comunhão com Deus no céu. A celebração litúrgica insere-nos assim numa dimensão que nos transcende e que podemos afirmar que nos religa aos que nos precederam e que nos projeta já na eternidade. E é tão bom e maravilhoso percebermo-nos acompanhados e a fazer parte de uma realidade que nos transcende e que nesse sentido é misteriosa. A nossa voz com a voz dos anjos, o nosso louvor enriquecido pela sua presença, a sua beleza e pureza a enriquecer a nossa liturgia e celebração.

O aceitar dos mistérios do universo, o aceitar de um Deus criador cuja intervenção e poder está para além da nossa própria compreensão é o tema e a profunda questão que o texto de hoje do livro de Job nos apresenta quando refere: «quem é que vem denegrir os meus planos, falando sem saber o que diz?». Do universo criado por Deus pouco ou nada sabemos ou sequer entendemos. Deus pergunta a Job:«Já que pretendes saber a verdade, diz-me: onde estavas, quando eu organizava a terra? Sabes quem fixou as suas dimensões, quem a mediu com uma fita métrica? Onde estão assentes os seus pilares? Quem assentou a sua primeira pedra, enquanto as estrelas da manhã cantavam e gritavam de alegria todos os seres celestes?».
Hoje pensar e celebrar estes misteriosos agentes de Deus que são os anjos e que naturalmente pertencem a uma ordem diferente de ser, pode ser pelo menos, um poderoso símbolo para todos nós, destas diversas dimensões do universo sobre as quais não temos uma ideia real.A este propósito alguém referiu:«Para além da esquina da nossa visão há coisas a acontecer no universo, coisas gloriosas e maravilhosas, sobre as quais nada sabemos».

Também Rowan Williams anterior Arcebispo de Cantuária, refere a este propósito:
«No século 17 o perigo era o de procurar usar os anjos para fins de magia; o perigo contrário, nos nossos dias, é o de afirmar a impossibilidade da existência de anjos, como se nós fossemos as únicas criaturas que contam no universo».

A vida da fé, sustentada na oração e nos sacramentos e na ação do Espírito Santo, prepara-nos espiritualmente para percebermos esta criação invisível, mas real, que Deus sustenta para nosso bem. Naturalmente levamos em consideração o aviso de S. Paulo aos cristãos de Colosso contra o risco de idolatrar as criaturas celestes: «A realidade está em Cristo. Não vos deixeis inferiorizar por quem quer que seja que se deleite com práticas de humildade ou de culto dos anjos» (Colossenses 2,17-18).Os anjos são apenas mensageiros e não a origem da mensagem. Apenas transmitem a Palavra de Deus.

Ao celebrarmos, pois, esta festa litúrgica de «São Miguel e Todos os Anjos» não se trata de especulação, imaginação ou criatividade espiritual, mas tão só em assumir com seriedade o alcance da afirmação dominical de fé feita pela Igreja reunida quando afirma:
 «Cremos em um só Deus, Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis».

Assim Deus nos ajude! Ámen.
 
+ Jorge Pina Cabral

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