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«A Igreja de Deus para o Mundo de Deus» chamados a Servir a Igreja e o Mundo

 
«Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo». Ámen.

Celebramos hoje a ordenação dos nossos irmãos em Cristo, Jaime, Pedro e Sérgio à luz do bonito e significativo tema pastoral e de missão da Igreja Lusitana para o corrente ano de 2022. Este tema é «A Igreja de Deus para o Mundo de Deus» - chamados a Servir a Igreja e o Mundo. Este é o tema inspirador da Conferência de Lambeth, encontro que no próximo Verão irá reunir os bispos anglicanos de todo o mundo conjuntamente com as suas esposas. Não será apenas um encontro de bispos, mas sendo cada bispo um representante do povo da sua diocese, será também um encontro de toda a Comunhão Anglicana.

Pensar a Igreja

O tema da «Igreja de Deus para o Mundo de Deus» requer naturalmente que pensemos a Igreja que somos e pensemos também o mundo que habitamos e diariamente construímos. Como o próprio tema refere, a Igreja não é nossa, mas sim de Deus. Ou seja, a Igreja é um dom de Deus à humanidade e desde já um instrumento necessário à construção do Reino de Deus. A Igreja é um dom que Deus no seu Amor providencia e suscita no derramamento do Espírito Santo no dia de Pentecostes conforme nos refere o Livro de Atos. Deste modo, a Igreja nasce e é nutrida pelo Espírito Santo de Deus.

Na linguagem de S. Paulo a Igreja é povo de Deus, templo do Espírito Santo e Corpo de Cristo. Ou seja, sustenta-se na vivência da Trindade Santa e é por isso chamada à luz dessa vivência a ser uma comunhão de amor, de unidade, santidade e de relação.  Esta é a Igreja de Deus, que transcende qualquer particularidade humana e cultural e se assume como católica, ou seja, universal na inclusão de todos os povos, raças e culturas; universal também na sua intemporalidade que une e religa a Igreja de todos os tempos; a Igreja de ontem, de hoje e de amanhã e universal ainda na proclamação da mensagem da boa nova que a todos e todas se destina. Assim a Igreja diz-se e define-se como, Católica, nesta universalidade abrangente e que define desde logo o sentido da sua Missão. E por isso hoje aqui e de um modo particular sentimos e vivemos a realidade da comunhão dos santos e percebemos também que esta festa das ordenações não diz apenas respeito a uma Igreja, mas sim a toda a Igreja de Cristo, na sua catolicidade.

Como nos refere a liturgia da ordenação, estes nossos irmãos serão ordenados de presbíteros da «Santa Igreja Católica». Hoje aqui, amanhã para onde Deus os chamar a servir. 

A fonte do Batismo

Pelo batismo somos incorporados na Igreja de Deus e recebemos a fé da Igreja. Ninguém pertence à Igreja por tradição, por classe social ou por mérito próprio. Somos incorporados e tornamo-nos membros da Igreja por dom e acolhimento de Deus em Jesus Cristo na ação do Espírito Santo. E nesta unidade e configuração a Cristo, que o batismo confere, tornamo-nos irmãos e irmãs em Cristo. A Igreja é, pois, a «Família do Senhor». E o fundamento da vida e do ministério desta família que é a Igreja, é o batismo na ação do Espírito Santo. E tal como o ministério de Jesus foi inaugurado pelo batismo (festa que celebramos no passado domingo), também todo e qualquer batizado é desde logo ungido pelo Espírito Santo para «levar as boas novas aos pobres, anunciar a libertação aos cativos, dar vista aos cegos, por em liberdade os oprimidos e anunciar o tempo em que o Senhor quer salvar o seu povo» (Lucas 4, 18-19). Coisa maravilhosa, pois, é que todos nós que aqui estamos reunidos e somos batizados em Cristo, somos desde logo chamados a exercer um sacerdócio santo, o sacerdócio comum dos fiéis que visa a reconciliação de toda a humanidade e criação com Deus. Todos e cada um de nós, pelo batismo recebido, somos chamados a este ministério de reconciliação e de anúncio da boa nova de Jesus Cristo.Conforme refere a liturgia desta ordenação: «Todos os batizados são chamados a dar a conhecer Cristo como Senhor e Salvador e a participar na transformação do mundo, segundo a vontade de Deus».

E é desta poderemos dizer, eclesiologia batismal, que se enquadra e percebe o ministério ordenado que estes nossos três irmãos irão receber dentro em breve. No seio do povo de Deus a que pertencem pelo batismo, cada um deles recebeu um chamamento para exercer um ministério específico ao serviço da Igreja de Deus e para o Mundo de Deus. O discernir deste chamamento foi realizado no seio da «família da Igreja» e levou a que cada um deles, individualmente dissesse, por palavras ou pensamento de coração: «Aqui estou eu. Envia-me a mim» tal como o profeta Isaías quando ouviu a voz do Senhor a perguntar: «Quem vou enviar? Quem irá por nós?» (Isaías 6, 1-8).

Como qualquer outro ministério na Igreja, o ministério ordenado procede, pois, do batismo e consagra a vocação sacerdotal que o batismo em todos suscita. Levar a sério a nossa vocação para servir a Deus requer também levar a sério o nosso batismo que é a nossa identidade mais profunda enquanto cristãos. E levar a sério o batismo é levar a sério e com responsabilidade a Igreja de Deus. 

O ministério de presbíteros

A Igreja é, pois, um povo de batizados no seio do qual, alguns, jovens ou idosos, homens ou mulheres, são chamados por Deus e de acordo com os seus dons, desenvolvem o ministério de presbítero que comporta uma dimensão de liderança cuja autoridade só pode ser a autoridade do serviço e do amor como Cristo bem demonstrou. É uma liderança exercida para e com o rebanho que Deus nos confia. Assim, o ministro ordenado é um pastor que lidera de trás e não à frente, permitindo que o rebanho vá aonde quer ir, com liberdade e criatividade. A função do pastor é servir o rebanho (que é a Igreja de Deus) mantendo-o unido e protegido. É neste sentido, que Pedro na carta que hoje foi lida exorta os presbíteros dizendo: «Cuidem do rebanho que Deus vos confiou, não por obrigação, mas de boa vontade, tal como Deus quer; não por espírito de ganância, mas com dedicação; não como quem se impõe sobre os que lhe foram confiados, mas como modelo para todos». (I Pedro 5, 2-3)
No cuidar do rebanho que Deus lhes confia, os novos presbíteros serão chamados a proclamar «pela palavra e atos o Evangelho de Cristo», chamados a «amar e servir o povo, tanto velhos como novos, ricos como pobres, fortes como fracos» e chamados também a «administrar o santo batismo e a celebrar a Sagrada Eucaristia e a impor as mãos e a unção aos enfermos». O ministério ordenado é assim um ministério profético, pastoral e sacramental.

Pensar o Mundo

Pensar a Igreja de Deus e perceber e assumir a sua identidade mais profunda é, pois, importante e determinante para podermos pensar também o Mundo de Deus e o papel que a Igreja pode e deve ter no Mundo. Sem saber quem somos enquanto Igreja nunca conseguiremos ser para os outros ao jeito que Jesus nos pede. A Igreja não é um centro de espiritualidade difusa, ou um mero centro de apoio espiritual, não é um partido político, não é uma organização não governamental de solidariedade, não é um conjunto de famílias amigas e muito menos uma instituição de poder.É a Igreja do ressuscitado e que é enviada por ele para que «os povos se tornem seus discípulos e para que as pessoas sejam batizadas em nome do pai e do Filho e do Espírito Santo» (Mat. 28, 18)

Deste modo, não há nem pode existir nenhum antagonismo entre a Igreja e o Mundo, dado que ambos pertencem ao Senhor, a ambos Deus quer bem e ambos foram criados por Deus. A Igreja está no Mundo e para o Mundo e o Mundo necessita da Igreja de Deus. Nem a Igreja deve ter medo do Mundo nem o Mundo ter medo da Igreja. Com a sua encarnação Jesus Cristo assumiu todas as realidades terrenas tornando-as palco da sua revelação divina. É no Mundo criado e amado por Deus e em particular nas suas realidades mais complexas que Deus sempre se revela.  A poetisa Sofia de Mello Breyner exprime-o bem quando afirma no seu poema:  «Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro sabendo que o real o mostrará».

Assim o nosso caminhar de cristãos que não é mais do que um caminhar de peregrinos, compromete-nos com as realidades terrenas, mas também sem perder de vista o horizonte de eternidade que a Ressurreição de Cristo para todos alcançou e que recebemos no batismo. Na sua oração ao pai, Jesus orou pelos seus discípulos dizendo: «Não te peço que os tires do mundo, mas apenas que os defendas das forças do mal. Eles não pertencem ao mundo, como eu também não pertenço … eu envio-os para o mundo, como tu me enviaste também» (João 17, 15-18). Verdadeiramente ninguém pode amar o céu sem primeiro amar o mundo e dar a sua vida por ele.

E a melhor maneira de nos aproximarmos do Mundo enquanto cristãos é fazer como Cristo nos revela hoje no Evangelho aqui proclamado: «Andando por todas as cidades e aldeias, ensinando na casa de oração e anunciando a Boa Nova do Reino de Deus curando toda a espécie de doenças e achaques» (Mat. 9, 35-38). Foi deste modo que o coração de Jesus sentiu imensa pena porque «andavam perdidos como ovelhas sem pastor». A relação da Igreja com o Mundo, das comunidades com o meio envolvente e dos presbíteros e diáconos com as pessoas, só pode ser uma relação de atenção, solicitude e de cuidado para com as necessidades que se nos oferecem. A Igreja está no mundo para servir e amar e não para ser servida e amada. O Mundo não é uma entidade abstrata e indefinida, mas ganha vida, sentido e beleza quando nos tocamos e deixamos tocar uns aos outros em amor e bondade e percebemos a sacralidade e dignidade inerente a cada ser humano. O mundo sou eu, sois vós, somos nós todos na relação com toda a criação de Deus que tem que ser estimada e cuidada. Cada um é construtor de um mundo novo e sempre que «um homem sonha o mundo pula e avança como bola colorida entre as mãos de uma criança».

Mas estar no Mundo é também saber pensar as grandes questões do nosso tempo, ou seja, do «mundo atual». Pertencendo a uma Comunhão eclesial de dimensão mundial, como é a Comunhão Anglicana, temos a graça e o privilégio de melhor poder entender à luz do Evangelho de Cristo a realidade mundial tal como ela se nos oferece nas suas alegrias e esperanças bem como nas suas tristezas e pecados. As grandes questões e os grandes desafios que se colocam à Igreja de Deus e ao Mundo de Deus hoje, situam-se na área da evangelização num contexto cultural secularizado, na área dos efeitos das alterações climáticas e da atual pandemia do Covid 19, na exploração e marginalização vivida por milhões de pessoas vítimas de um sistema capitalista selvagem e se quisermos ainda pelo desencanto de tantos e tantas perante tantas propostas políticas e ideológicas que não atendem ao bem comum.

Queridos ministros que irão ser ordenados; Jaime, Pedro e Sérgio.  É neste contexto de Missão que Deus vos chama agora a saber Servir a sua Igreja e o Mundo. Deus não vos irá pedir mais do que aquilo, que, sereis capazes de realizar, mas na ação do seu Espírito Santo, Deus irá capacitar-vos cada vez mais para novas realizações que vos farão crescer em amor e santidade para com Deus e o próximo. A Igreja hoje aqui reunida dá graças pela vossa disponibilidade, pela maneira de ser de cada um de vós, pelos vossos dons e talentos, pela vossa fé e espiritualidade e pelo vosso Amor à Igreja e ao Mundo. Sois chamados a Servir a Igreja e Servir o Mundo.

A Igreja assegura-vos desde já as suas orações, suporte e apoio para o desenvolvimento do vosso (nosso) ministério. 

Assim Deus nos ajude e abençoe a todos. Ámen

+ Jorge, bispo da Igreja Lusitana, 15 de janeiro de 2022, Catedral de S. Paulo

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