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Tempo do Advento de 2021
A Espera sofrida
 
No caminhar deste Tempo do Advento, tem-me interpelado muito o pensamento de Dietrich Bonhoeffer, pastor Luterano e teólogo alemão, que viveu o período da ascensão do nazismo e da segunda guerra mundial e que apesar da sua curta vida (foi morto com 39 anos!) escreveu diversos livros com profundos desenvolvimentos teológicos que devem ser lidos por todos.
 Um dos seus pensamentos relacionado com o Advento e escrito na prisão (e presente no nosso guião de leituras bíblicas) diz o seguinte: «A vida na prisão pode ser comparada ao Tempo do Advento: aguarda-se e espera-se, a porta parece estar fechada, mas subitamente abre-se pelo lado de fora». 
Este pensamento breve, mas profundo, está contido nas suas «Cartas de prisão» que escreveu durante o período em que esteve preso pelos nazis e que antecedeu também a sua própria morte às mãos dos carrascos de Hitler. Neste e noutros escritos feitos num tempo de profunda provação física e espiritual impressionam a clarividência de pensamento e o sentido de futuro e de esperança que apesar do contexto da prisão e do sofrimento vivido estão presentes. A sua fé era diariamente alimentada pela oração e pela leitura orante da Sagrada Escritura.
Conforme referem diversos estudiosos, a palavra confiança aparece frequentemente nas cartas que escreveu na prisão. Bonhoeffer ousava ficar junto a Deus num contexto em que Deus era rejeitado e negado, e no qual a morte e o sofrimento estavam presentes de uma forma muito evidente. As suas cartas incutem um sentido de esperança apesar da adversidade e o seu propósito é o de animar e transmitir confiança e fé aos seus leitores.
A comparação entre o Advento e uma cela na prisão pode parecer estranha, mas para ele é este tipo de «Espera sofrida» que melhor nos prepara para a vinda de Cristo. A prisão com as suas exigências e sofrimento surge como uma espécie de metáfora da vida, ou seja, a nossa vida é perpassada por uma exigência e tensão permanentes, que quando devidamente assumidas nos permitem perceber e acolher desde já, as diversas presenças e manifestações de Deus na nossa realidade e quotidiano.
A perceção daquilo que é essencial para a vida, para a nossa vida, apura-se essencialmente nos tempos de privação e de grande exigência pessoal e coletiva. Entendo, pois, que estamos a viver um Tempo de Advento talvez diferente dos anteriores dadas as exigências da Pandemia que de certo modo são também uma prisão à nossa própria liberdade de relação e de circulação.
Saber aguardar e esperar no atual contexto de sofrimento que a todos nos toca torna-se assim fundamental para estarmos prontos quando a porta se abrir. Não deixa de ser interessante o significado de uma porta que só se abre pelo lado de fora. Ou seja, a novidade é nos trazida e concedida. Cabe-nos tão só acolhê-la. Verdadeiramente a relação de Deus com toda a humanidade na qual nos incluímos sustenta-se na graça de Deus que vem a nós por Amor. Assim foi e é cada Natal que celebramos. Nada depende de nós e no mistério da noite a luz de Belém revela a presença de Deus entre nós. A porta subitamente abre-se …… Neste sentido, Bonhoeffer escreveu: «a celebração do Advento é possível apenas àqueles que se assumem pobres e imperfeitos, e que buscam algo grandioso que há de vir».
No Salmo 90 há pouco recitado elevamos a Deus uma prece: «Ensina-nos a compreender a brevidade da nossa vida, de modo alcançarmos a sabedoria». Também no mesmo Salmo e para acentuar a brevidade e o mistério da vida o salmista refere: «mil anos são para ti como o dia de ontem que passou, como a vigília da noite». Na sabedoria presente nesta oração somos confrontados com a necessidade de assumir cada dia com intensidade, buscando o essencial que sempre se nos oferece, seja em contexto de liberdade ou não. Ou seja, assumir a realidade presente não deixando de esperar as realidades futuras e definitivas que Deus desde já nos preparou. Para Bonhoeffer e durante o Advento, aprendemos a viver com estas duas realidades concorrentes entre si : já fomos salvos e libertos e no entanto a nossa libertação definitiva ainda está para vir.
O Tempo do Advento é, pois, este tempo de Vigília que quando bem assumida nos prepara desde já para a abertura de tudo aquilo que em nós tem que ser libertado.
Termino com as palavras do irmão François de Taizé : «Dietrich Bonhoeffer viveu com a certeza de que Cristo está realmente próximo, em todas as situações, mesmo as mais difíceis. Dizia ele: «Tu estás perto, Senhor, todos os teus mandamentos são verdadeiros. Podemos acreditar que todos os teus mandamentos são não apenas verdadeiros, mas dignos da nossa total confiança.»
Que a Espera Sofrida deste Tempo do Avento que estamos a percorrer em conjunto possa reforçar a nossa confiança e esperança em Deus.
Assim seja,
 
+ Jorge
8 dezembro 2021
 

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