33º Domingo Comum - Comentários bíblicos - Bispo D. Fernando Soares - 14/11/2021

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COMENTÁRIO BÍBLICO 
33º Domingo Comum – Ano B
14nov2021 

Daniel 7,9-14; Salmo 145,8-14; Hebreus 10,11-18
 
S. Marcos 13,24-32
24Mas, naqueles dias, depois daquela tribulação, o sol escurecerá, a lua não dará a sua claridade, 25as estrelas cairão do céu, e as potestades celestes serão abaladas. 26Então, será visto o Filho do Homem vindo nas nuvens com grande poder e glória. 27Ele enviará os anjos e ajuntará os seus eleitos dos quatro ventos, da extremidade da terra à extremidade do céu.
28Aprendei a parábola tirada da figueira: quando os seus ramos já estiverem tenros, e brotarem folhas, sabeis que está próximo o verão; 29assim também vós, quando virdes acontecer essas coisas, sabei que ele está próximo, às portas. 30Em verdade vos digo que não passará esta geração sem que todas essas coisas se cumpram. 31Passará o céu e a terra, mas não passarão as minhas palavras. 32 Mas daquele dia ou daquela hora ninguém sabe, nem os anjos no céu, nem o Filho, senão só o Pai.

1. Caminhamos para o fim do Ano Litúrgico. E aqui temos as grandes ‘tiradas’ apocalípticas que muitos interpretam como ‘o fim do mundo’ a pressagiar a vinda de Jesus sobre as nuvens com grande poder e glória”. Repare-se nesta passagem: “Eu continuava contemplando, nas minhas visões noturnas, quando notei, vindo sobre as nuvens do céu, um como Filho do Homem. (…) A ele foi outorgado o império, a honra e o reino, e todos os povos, nações e línguas o serviram. Seu império é um império eterno que jamais passará, e o seu reino jamais será destruído.”É do Livro do Profeta Daniel 7, 13-14, que viveu por volta do ano 500 A.C. Segundo a Bíblia de Jerusalém, o livro de Daniel já não representa a verdadeira corrente profética. Mas, inaugura plenamente o género apocalíptico que havia sido preparado por Ezequiel e que posteriormente se difundiu na literatura judaica.
Há também quem veja naquelas palavras, ou no seu equivalente no livro do Apocalipse, de S. João, uma referência à segunda vinda de Jesus, espetacular e gloriosa, para impor e inaugurar o Reino de Deus na terra, submetendo-lhe “todos os povos, nações e línguas”. Será que o Reino de Deus virá mesmo dessa forma? Ora, atentemos no seguinte texto: “Interrogado pelos fariseus sobre quando chegaria o Reino de Deus, respondeu-lhes: ‘a vinda do Reino de Deus não é observável. Não se poderá dizer: ‘Ei-lo aqui! Ei-lo a ali!’, pois eis que o Reino de Deus está dentro de vós’.”(S. Lucas 17, 20-21). Quer dizer, o Reino de Deus não é uma realidade para além da história, nem uma realidade espetacular, mas, uma realidade já atuante (no nosso tempo e em cada tempo), “é uma realidade ética, que está ligada à conduta humana” (José Mª Castillo). Na verdade, o Evangelho diz-nos que o Reino de Deus está onde há amor que ultrapassa o mal e a dor, onde se manifesta a bondade contagiante, onde há esforço na procura da paz e da justiça que levem às pessoas alegria e felicidade. Na senda de Jesus, o Reino acontece nas nossas vidas sempre que as pomos ao serviço do amor divino nos outros, até pela via sacrificial (a dor e a humilhação da cruz), vivido humanamente até ao âmago numa grande exigência ética.           

2. Aqueles de nós que participamos da eucaristia dominical ao proclamar o Credo – a fé uma vez dada aos santos – terminamos com as seguintes palavras: Esperamos… a vida do mundo que há-de vir.” Mas, não temos consciência do que seja esse mundo. E o próprio Jesus nos diz que do dia ou da hora da vinda do Filho do Homem “ninguém sabe”. Há quem se esforce, mas em vão. Portanto, não tenhamos medo, não nos deixemos tomar pela ansiedade. Ouçamos Jesus quando nos pergunta: para quê tanta preocupação com esse futuro? Basta a cada dia o seu mal (S. Mateus 6, 34). Antes, atentemos com preocupação especial nos problemas do nosso viver diário buscando, acima de tudo, o Reino de Deus e a sua justiça (S. Mateus 6, 33) de acordo com o nossocompromisso com o ensino de Jesus. Porque se o fizermos estaremos a preparar-nos para o encontro com Cristo, quando vier, onde estiver e seja lá como for. Por isso, Jesus nos recomenda “Aprendei a parábola tirada da figueira”, olhai com atenção, aprendei a ver os ‘sinais’.
Olhar as coisas e as pessoas que nos rodeiam, para lá do que representam no dia-a-dia, é como navegar numa onda de imaginação que nos leva a tocar o que está mais longe e mais alto, o que só a sensibilidade da fé permite. Isto é, um verdadeiro exercício de espiritualidade. Conscientes da nossa ‘incapacidade’ tanto no que somos como no que sabemos, apuremos a nossa visão sobre as coisas e as pessoas aumentando a nossa acuidade humana para procurar significados novos à luz da novidade e grandeza do Evangelho. Observemos com o intuito de descobrir o que a realidade nos pode mostrar de novo, pois, como escreve Valter Hugo Mãe, “não podemos responder em absoluto com aquilo que já sabemos, também (…) não podemos ser em absoluto aquilo que já somos” (Autobiografia Imaginária, JL 3 a 16 novembro 2021). A este propósito, do poema Balanço,de Nuno Júdice:

Se eu rezasse, pediria compaixão
para os que não amam, para os que não sabem
para onde olhar quando estão sós e lhes falta
um rosto amado na memória, para os que
olham para uma flor e só pensam no dia em que
irá morrer. (…)

Certamente se o nosso olhar for atento aos ‘sinais’ dos que connosco se cruzam apercebemo-nos dos que têm tudo (perdendo-se no supérfluo), mas a quem falta o essencial, a gratuitidade na dádiva de si; dos que não têm memória agradecida dum amor recebido e que, por isso, só se afadigam na dádiva do que serve à necessidade básica; dos que olham uma flor como um objeto de mera fruição e consumo, sem referência à sua beleza gratuita. Se nos apiedarmos deles, e o fizermos em oração, quem sabe se descobrimos que ao pedir por eles estamos realmente a pedir por nós. Atenção aos ‘sinais’.

3. A vacinação contra a Covid19 em massa trouxe-nos uma esperança de libertação da pandemia e o levantamento das regras do confinamento proporcionou-nos um otimismo que alimentou um estado de regresso à normalidade. Mas, entretanto, começaram a chegar sinais de aumento do número de infeções de tal forma que já alguns especialistas lhe chamam uma nova vaga. Em consequência começam-se a verificar sinais de pessimismo, senão mesmo de alarme, em alguns países europeus. Por cá, nas conversas entre familiares, amigos e conhecidos é patente a preocupação com o amanhã que nos espera.
A referência de Jesus a ‘sinais’ indica que para Deus, na harmonia da natureza de que todos somos feitos, tudo tem um significado que somos chamados a ‘decifrar’. Cada um(a) com os meios que possui ou que procura. É aqui que se põe com particular importância a questão da fé e da esperança. Ou seja, aos crentes é proporcionada a leitura de todas as circunstâncias da vida à luz da confiança porque, como o Apóstolo Paulo resumiu: “Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus” (Romanos 8, 24). Então, não tenhamos medo, vacinemo-nos atentos às recomendações da ciência e guardemos a fé para que a esperança floresça na nossa vida.

+ Fernando
Bispo Emérito da Igreja Lusitana

 

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