29º Domingo Comum - Comentários bíblicos - Bispo D. Fernando Soares - 17/10/2021

Download PDF

COMENTÁRIO BÍBLICO 
29º Domingo Comum – Ano B
17out2021 

Isaías 53,7-12; Salmo 35,17-28Hebreus 4,14-16
 
S. Marcos 10,35-45
35 Então, se aproximaram dele Tiago e João, filhos de Zebedeu, dizendo-lhe: Mestre, queremos que nos faças o que te pedirmos. 36Ele lhes perguntou: Que quereis que eu vos faça? 37Responderam-lhe: Concede-nos que, na tua glória, nos sentemos, um à tua direita, e outro à tua esquerda. 38Mas Jesus disse-lhes: Não sabeis o que pedis. Podeis beber o cálice que eu bebo ou ser batizados com o batismo com que eu sou batizado?39Responderam eles: Podemos. Replicou-lhes Jesus: Bebereis, na verdade, o cálice que eu bebo e sereis batizados com o batismo com que eu sou batizado; 40mas o tomar assento à minha direita ou à minha esquerda não me pertence concedê-lo; porém será isso concedido àqueles para quem está destinado. 41 Ouvindo isso, os dez começaram a indignar-se contra Tiago e João. 42Mas Jesus chamou-os para junto de si e disse: Sabeis que os que são reconhecidos como governadores dos gentios dominam sobre os seus vassalos, e sobre eles os seus grandes exercem autoridade. 43Porém não é assim entre vós. Mas quem quiser tornar-se grande entre vós, será este o que vos sirva; 44e quem quiser ser o primeiro entre vós, será este servo de todos. 45Pois o Filho do Homem também não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos.

1.  Hoje somos confrontados com uma das mais difíceis questões do quotidiano da nossa vida na fé: a oração de petição. Conscientes de que é uma pérola da nossa intimidade com Deus e alertados pela palavra de Jesus “Pedi e dar-se-vos-á” (S. Lucas 11, 9), fazemos da nossa oração, geralmente, o momento em que estendemos o rol das nossas petições, como crianças a preparar o dia de aniversário ou o dia de Natal. Em tempo de aflição ou de emergência compreende-se, pois, nessa altura nem sequer temos capacidade para discernir o que realmente nos interessa, mas, e tão só, o que o nosso instinto de sobrevivência ou outro da mesma natureza nos dita. Mas, no decorrer normal dos dias, é preciso refletir seriamente sobre o que pedimos. Foi o que se passou com os irmãos Tiago e João, filhos de Zebedeu. Ponderaram serena e profundamente sobre o que iam pedir a Jesus. Foi um ato premeditado e não um impulso momentâneo. Mestre, queremos que nos faças o que te pedirmos – o que é o nosso desejo. Tomaram-se por sábios relativamente ao que queriam e apresentaram-se perante o Senhor convictos do que lhes satisfaria os desejos.  
Depois de ouvir o pedido deles, Jesus respondeu-lhes “Não sabeis o que pedis”. Ou seja, nem tudo o que pedimos nos será dado, pois, podemos não saber o que pedimos. Na verdade, a oração cristã tem a sua fonte no Espírito Santo, como escreve o Apóstolo Paulo: “não sabemos o que pedir como convém; mas o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inefáveis, e aquele que perscruta os corações sabe qual o desejo do Espírito; pois, é segundo Deus que ele intercede pelos santos” (Romanos 8, 26-27). E Jesus, por sua vez, refere “Se vós (…) sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais o vosso Pai celestial dará o Espírito Santo àqueles que lho pedirem?” (S. Lucas 11, 13). Então, Jesus aconselha-nos a que os nossos pedidos – as nossas orações – sejam ponderados por uma atitude de humildade e confiança procurando a “vontade” de Deus e não simplesmente a nossa. Dessa forma, seremos conduzidos pelo Espírito que nos ‘ajuda’ a saber o que pedir. Como alguém escreveu: “a verdadeira oração não é aquela que se faz até que Jesus nos ouça, mas aquela que se realiza até que nós saibamos escutar melhor a voz de Deus”.  

2. O pedido (desejo) daqueles dois irmãos Concede-nos que, na tua glória, nos sentemos, um à tua direita, e outro à tua esquerda” provocou uma onda de indignação entre os outros 10 apóstolos. Não era para menos. Pretendiam ‘apenas’ ocupar os mais importantes lugares na hierarquia do reino messiânico que esperavam, acima, e por exclusão, de todos os outros. O desejo de subir na hierarquia duma organização pública ou privada é natural e compagina-se com a vontade de “subir” na consideração social seja de tal organização como nas suas adjacências. Mas, para isso, tem de haver a preocupação de não ‘atropelar’ ninguém e, muito menos, de o fazer-se através de processos ínvios. Aqueles dois apóstolos pouco se importaram com os seus outros companheiros no seguimento de Jesus. Também não lhes passou pela cabeça se tinham ou não competência para o desejado. Sabemos que Jesus os tinha chamado, juntamente com Pedro, para O acompanharem em situações de alguma exigência (Monte da Transfiguração - S. Marcos 9, 2; Jardim de Getsémani - S. Marcos 14, 33; ressurreição da filha de Jairo - S. Lucas 8, 51), o que, porventura, poderá tê-los influenciado na ideia da sua importância, mas tal não justifica o seu comportamento. No proceder daqueles dois apóstolos está bem patente a condição humana a que estamos sujeitos, o da preocupação maior com o nosso interesse pessoal em detrimento do dos outros, até dos que nos estão mais próximos. Quando pensamos nisto percebemos a necessidade do novo mandamento que Jesus nos deixou: “amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (S. João 13, 34-35).A novidade deste mandamento não está no amor ao próximo, pois, este já era parte da Lei mosaica (Levítico 19, 18), mas, isso sim, no acrescento “como eu vos amei”. Este amor, fundado no modo de viver do ‘homem’ Jesus, é (deve ser) a característica primeira da comunidade dos cristãos, nós próprios.     

3. A paciência de Jesus é manifesta no texto ao ler-se Jesus chamou-os para junto de si”. Há momentos e assuntos em que o que se precisa é de silêncio que permite a escuta e não de ruído em que predomina a expressividade superficial. Ora, aquela situação merecia cuidado redobrado e impunha conversa particular com escuta atenta e consequente. É que, a propósito do episódio, Jesus apresenta-lhes um novo significado para a palavra autoridade. E explica quem quiser tornar-se grande entre vós, será este o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós, será este servo de todos”. Isto é, comigo, autoridade só a consegue quem se disponha a viver sem poder.
É a proposta revolucionária de Jesus para quem o queira seguir, o despojamento das riquezas (no domingo passado) e do poder (hoje). Com Jesus o poder, o primeiro, só está no servir. Ao contrário da autoridade humana, que domina, escraviza e esmaga, a glória dum Deus que serve como último de todos e dá vida, revela o maior poder. É este poder que Jesus nos confia consubstanciado numa cruz (sacrificialmente), o único que realmente nos pode engrandecer. Já pensamos quão poderosos somos quando confiamos na misericórdia de Deus e dos nossos irmãos, quando usamos nas nossas vida de transparência e verdade, quando assumimos com coragem os nossos erros e as nossas faltas procurando repará-los e cuidar de quem magoamos? Verdadeiramente, o grande poder de Jesus foi reconhecido no Seu tempo porque não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos”.

+ Fernando
Bispo Emérito da Igreja Lusitana

 
 

Igreja Lusitana Católica Apostólica Evangélica - Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.