Dia de Pentecostes - Comentários bíblicos - Bispo D. Fernando Soares - 23/5/2021

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COMENTÁRIO BÍBLICO
Domingo de Pentecostes – Ano B
23maio2021

Atos 2,1-21; Salmo 104,27-35; Romanos 8,22-27
 
S. João 15,26-27.16,4b-15
 
26Quando vier o Defensor que vos hei-de enviar de junto do Pai, o Espírito de verdade que procede do Pai, há-de dar testemunho acerca de mim. 27Também vocês hão-de dar testemunho de mim, porque estão comigo desde o princípio.
«Não vos disse estas coisas desde o princípio porque estivemos sempre juntos. 5Mas agora vou para aquele que me enviou. E é estranho que ninguém me pergunte para onde é que eu vou. 6Vejo que estão tristes por vos dizer tudo isto. 7Mas fiquem a saber que para vosso bem é melhor que eu vá. Se eu não for, o Defensor não virá até vós, mas se eu for, eu vo-lo enviarei. 8Quando ele chegar há-de convencer as pessoas do mundo sobre três coisas: que cometeram pecado, que há uma justiça e que há um julgamento. 9De facto, cometeram pecado porque não creem em mim. 10Depois há uma justiça, porque vou para o Pai e não me verão mais. 11Finalmente, há um julgamento porque o que domina este mundo já foi condenado.
12Tenho ainda muitas coisas para vos dizer, mas isso agora era demais para vocês. 13Quando vier o Espírito da verdade, vai guiar-vos em toda a verdade. É que ele não falará por si próprio, mas comunicará o que lhe disserem e anunciar-vos-á as coisas que ainda estão para acontecer. 14Ele vos manifestará a minha glória porque tomará daquilo que é meu e vo-lo anunciará. 15Tudo quanto o Pai tem, pertence-me também a mim. Por isso é que eu digo: o Espírito receberá daquilo que é meu e vo-lo anunciará.»
 
1. O livro dos Atos dos Apóstolos descreve como os discípulos de Jesus, reunidos no mesmo lugar, foram assolados por «um ruído semelhante ao de um vento forte que ressoou por toda a casa onde se encontravam. Foram então vistas por eles umas línguas como de fogo, que se espalharam e desceram sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar noutras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem» (2, 1-4). A mensagem de Pentecostes dos Presidentes do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), deste ano, começa com uma afirmação: “incutiu-se-lhes a apetência para ir ao mundo e proclamar uma visão de salvação: uma visão que não se toldava pela dúvida, nem pelo medo, nem pela apatia. Pressagiava um novo céu e uma nova terra”. E continua, em jeito de avaliação aos séculos decorridos desde o evento até à presente situação da cristandade, perguntando: “reduziu-se esta visão do Pentecostes? Converteu-se numa mera experiência espiritual individual? Será que tal visão ocupa uma cada vez mais pequena parte da nossa mente e da nossa paisagem teológica? Converteu-se na prerrogativa exclusiva dos privilegiados do conhecimento, do tempo e do lugar?”. Depois, os Presidentes do CMI avançam para uma análise que partilho convosco.
«Neste tempo de confluência de catástrofes, a urgência da conexão moral e espiritual da humanidade, da criação e do Criador foi cruelmente exposta. No entanto, a visão do Pentecostes continua a iluminar e reacender o Evangelho para toda a criação - nós o testemunhamos nas mãos curativas daqueles que cuidam de todos os aflitos e afetados pela pandemia. Vemos isso no fogo que queima por justiça social, económica e climática nos corações das comunidades eclesiásticas em todo o mundo. Sentimos isso na necessidade premente das mulheres, jovens e idosas, de uma nova terra, como previu o profeta Joel. Na verdade, se a necessidade é o critério, agora é o melhor momento para soprar um vento poderoso de renovação. A dor diante de um futuro devastado pelo medo ameaça cada fragmento da criação. Precisamos da esperança da visão de Pentecostes de vida e amor. Porém, como podemos tornar-nos comunidades eclesiais animadas pelo amor do Senhor e unidas pela paixão pelo seu povo e pela sua criação? Onde procuraremos a esperança do Pentecostes que dá origem a um novo céu e uma nova terra? Nos nossos tempos, como em todos os tempos, Jesus convida-nos a segui-lo ao coração trémulo do Pentecostes que se encontra entre os pobres, os prisioneiros, os enfermos, os famintos e os nus. Nestes lugares, no nosso amor mútuo, podemos ver que "o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado" (Romanos 5, 5), cumprindo a promessa de Pentecostes. Assim, seguindo de perto os passos do nosso Salvador, recebamos mais uma vez a promessa do Espírito Santo, que nos renova e renova o nosso tempo e a superfície da terra.»
 
2. Nas redes sociais, onde presentemente e cada vez mais se forma a opinião pública, verifica-se uma situação preocupante. Aí, perante qualquer questão levantada, só se admite ser a favor ou contra, o ‘sim’ ou o ‘não’, sem qualquer recurso a um meio-termo ou uma opinião de moderação, mesmo que fundamentada. Não há espaço, portanto, para a dúvida, para a discussão ponderada, o questionamento livre e saudável. Ou seja, a pouco e pouco a sociedade vai assimilando a linguagem binária dos computadores, de combinações de zeros e uns, preto ou branco, sim ou não, sem possibilidade de se usar um número intermédio, ou de considerar a dúvida ou o ‘talvez’. Assim se vai reduzindo o espaço para o Espírito.
Também, na leitura dos Atos, alguns dos que se admiravam perante a “maravilha” do que viam e ouviam diziam: «Estão mas é bêbados». Pedro responde confiante no  fundamento profético. É, o Espírito presta-se a estas dificuldades de interpretação «O vento sopra onde quer; ouves o seu ruído, mas não sabes donde vem nem para onde vai» (S. João 3, 8). Julião Sarmento, artista plástico de nomeada que faleceu há umas semanas, escreveu um dia: “as obras ganham impulsos distintos quando colocadas num certo espaço. A mesma obra colocada noutro espaço é outra obra”. É nesta pluralidade, nesta capacidade de ver para além do branco e negro, na convivência de distintas matizes, que se expressa o Espírito.
Por um lado, o Espírito Santo – o “hálito” de Deus  (Sal 104:30)– não é para as coisas, é para nós. Apresta-nos para transformar, inovar, criar, para que o mundo se mude ao Seu jeito – renova a face da terra – conforme a Sua vontade (assim na terra como no céu). Por outro, nas andanças do vento indefinido – importa que o saibamos – o nosso rumo é Jesus, a “verdade” que com a Sua Palavra nos aponta o caminho.
 
3. «Quem vos matar julgará que está a prestar culto a Deus» (S. João 16, 2-3). A confusão entre o culto divino e a defesa violenta de alguns valores continua atuante na história e reforça a inimizade entre os povos. Veja-se o atual conflito Israel-Hamas que fez já 227 mortos, entre os quais 64 crianças e adolescentes e 37 mulheres e perto de 1.400 feridos, metade dos quais mulheres e crianças. A linguagem da violência misturada com a questão religiosa redunda numa situação explosiva que aniquila vidas humanas, vítimas indefesas. E, no entanto, quem conhece verdadeiramente o Pai sabe que tudo isso não tem nada a ver com a verdadeira religião.

+ Fernando
Bispo Emérito da Igreja Lusitana 
 

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