5º Domingo depois da Páscoa - Comentários bíblicos - Bispo D. Fernando Soares - 9/5/2021

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COMENTÁRIO BÍBLICO
5º Domingo depois Páscoa – Ano B
9maio2021

Atos 10,44-48; Salmo 98; 1 João 5,1-6
 
S. João 15,9-17
 
9Eu tenho-vos amor como o Pai me tem a mim. Continuem sempre unidos no meu amor! 10Se observarem os meus mandamentos, como eu observo os do meu Pai, permanecereis no meu amor como eu no do meu Pai. 11Falo-vos desta maneira para que se alegrem comigo e para que tenham uma alegria perfeita. 12O meu mandamento é este: amem-se uns aos outros como eu sempre vos amei. 13Não há maior amor do que dar a vida por aqueles a quem se ama. 14Se fizerem aquilo que eu vos mando, serão meus amigos. 15Agora já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor. Chamo-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo quanto aprendi de meu Pai. 16Não foram vocês que me escolheram, mas sim eu que vos escolhi e enviei para produzirem muito fruto; não um fruto passageiro, mas um fruto que dure para sempre. Desta maneira, o Pai vos há-de dar tudo quanto lhe pedirem em meu nome. 17E recomendo-vos isto: amem-se uns aos outros.»
 
1. Nos capítulos 13 a 16 de S. João narra-se a última reunião, a última ceia de Jesus com seus discípulos. Na intimidade daquela noite pode ler-se sobre a Sua despedida, os Seus avisos, os Seus conselhos e a promessa do Espírito Santo (não vos deixarei órfãos). E, no meio, um “pacto” de amor: «Amai-vos uns aos outros como eu vos amei», (no Evangelho de hoje). Ora, aqui se apresenta o fundamento comportamental dos cristãos. Mas, vejamos com cuidado.
Hoje as palavras “amor” e “amar” chamam-se e dizem-se por tudo e por nada. Banalizaram-se de tal maneira que perderam o significado profundo do que realmente deveriam ser. Ora, o “amor” a que Jesus se refere no Seu mandamento “gera-se” na disponibilidade de cada um(a) para se deixar apropriar pela pessoa de Jesus, pois, o amor vem de Deus e chega a nós por Ele. Não depende da índole de cada um(a) nem da nossa capacidade humana de amar as pessoas, mas, antes, da decisão de ter em Jesus o modelo do nosso viver. Quando diz: «como eu vos amei», apela à história da relação dos discípulos com Ele feita de incompreensões, de significados ínvios das Suas palavras, de aceitação e negação de verdades, de encontros e desencontros na descoberta dos significados das parábolas, de desistências, de negações e descrenças. E nessa relação humana, Jesus sempre atento, solícito, paciente, nas explicações, na compreensão das suas incompreensões, mostrando nas Suas atitudes como é o amor misericordioso de Deus. Um amor que só é possível nEle e através dEle. Um amor que tem de se aprender no caminho da fé, porque está para além de nós, e que só se realiza em nós, passo a passo, à medida que nos deixamos tomar por Ele. Um amor que, depois de um itinerário de altos e baixos, leva o Apóstolo Paulo a sentir e a dizer: «Não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim!» (Gálatas 2, 20). Ou seja, “amar-nos uns aos outros” não é atitude banal ou fugaz, dependente da nossa disposição do momento ou dos nossos interesses, mas, um sentimento profundo, um desígnio, que, no caminhar da fé, se vai instalando no nosso coração de que Cristo nos ama verdadeiramente e as nossas ações em relação aos outros começam a ser ditadas por Ele em nós. Esta linguagem pode não ser compreendida, mas é a mensagem do Evangelho.
 
2. Na leitura de hoje dos Atos dos Apóstolos apercebemo-nos das questões que desde o início afloraram nas nascentes comunidades cristãs. Em Atos 10, 45-46 lê-se: «Os crentes judeus, que tinham ido com Pedro (a casa de Cornélio, centurião romano), ficaram muito admirados por verem que o Espírito Santo se difundia também sobre os que não eram judeus». Nas diversas versões bíblicas pode ler-se, além de “admirados”, “maravilhados”, “estupefactos” e ainda “estarrecidos”. Não há dúvida que quando se aperceberam de que o Espírito Santo tinha descido sobre pessoas que não eram judias ficaram visivelmente incomodados. Aliás, tal visita custou a Pedro, chegado à comunidade de Jerusalém, ser chamado a explicar-se porque entrou em casa de gentios (incircuncisos) e comeu com eles, o que, como judeu, lhe era ilícito(Atos 11, 2-3). Era a pressão dos cristãos provindos do judaísmo que queriam impor a circuncisão e a observância da Lei de Moisés aos novos convertidos não judeus como caminho para a salvação.
Esta foi uma questão de enorme repercussão naquele tempo entre as comunidades cristãs de Antioquia e de Jerusalém que levou ao “Concílio de Jerusalém”, a reunião dos Apóstolos e dos presbíteros «para examinarem o problema» com acesa discussão (leia-se Atos 15). Então, no diálogo aberto e franco, sem paternalismos nem autoritarismos, no concerto da Igreja (pareceu bem aos apóstolos e presbíteros, de acordo com toda a Igreja – Atos 15, 22), a sabedoria do Espírito Santo fez-se sentir transformando a atitude radical que dividia e excluía numa exortação pastoral que compreendia, unia e consolava. Como disse Pedro naquela reunião: «É pela graça do Senhor Jesus que nós cremos ser salvos, da mesma forma como também eles (os não judeus)». Neste nosso tempo, a que já chamam de ‘pós-cristão’, em que todas as dissensões se discutem e procuram resolver na praça pública através dos meios de comunicação social e das redes sociais, que extraordinário exemplo para toda a Igreja de Jesus Cristo que bem precisa ser lembrado e posto em prática. O Espírito Santo só se faz sentir quando ouvimos a voz de Jesus e lhe abrimos a porta (Apocalipse 2, 20).       
 
3. Neste 2º domingo de Maio celebra-se a Festa das Mães, na nossa Igreja e noutras de tradição evangélica. É tão só uma simples manifestação do sentimento de gratidão que a todos acompanha pelo amor recebido da sua progenitora. É uma exaltação filial que ressalta do nosso coração e da nossa memória – sem referência a modelos – pelo que vivemos e percebemos daquela que humilde e humanamente se coloca ou colocou de joelhos perante cada um de nós e nos trata ou tratou com um carinho desvelado, gratuito, feito de um amor que vai até ao âmago de si. É um ato de louvor a Deus pelo que do Seu amor partilhou com aquela que, na Sua vontade, nos deu à luz. É a saudade do tempo que passou gravado a letras de fogo no enredo da nossa vida que nos acompanha para lá do que somos. Como diz o poetabrasileiro Carlos Drummond de Andrade no poema “Para sempre”:

Mãe não tem limite, é tempo sem hora,
luz que não apaga quando sopra o vento e chuva desaba,
veludo escondido na pele enrugada,
água pura, ar puro, puro pensamento.

 
+ Fernando 
Bispo Emérito da Igreja Lusitana
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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