13º Domingo Comum - Comentários bíblicos - Bispo D. Fernando Soares - 26/6/2022

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COMENTÁRIO BÍBLICO 
13º Domingo Comum - Ano C
26jun2022

1 Reis 19,15-21; Salmo 44,2-9; Gálatas 5,1.13-25
 
S. Lucas 9,51-62
51Como já estava a chegar a altura em que havia de ser levado deste mundo, Jesus tomou a decisão de ir a Jerusalém. 
52Mandou à frente alguns mensageiros e eles foram a uma aldeia dos samaritanos para prepararem a chegada de Jesus. 53Mas como os da aldeia perceberam que ele ia para Jerusalém, não o receberam. 54Então os discípulos Tiago e João, ao verem aquilo, disseram: «Senhor, queres que mandemos descer fogo do céu para os destruir?» 55Mas Jesus voltou-se para eles e repreendeu-os. 56E foram para outra aldeia.
57Quando iam a caminho, houve alguém que disse a Jesus: «Irei contigo para onde quer que fores.» 58Jesus respondeu-lhe: «As raposas têm tocas e as aves têm ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde encostar a cabeça.» 59Depois disse a outro: «Segue-me.» Mas ele respondeu: «Senhor, deixa-me ir primeiro fazer o funeral ao meu pai.» 60Jesus replicou: «Deixa os mortos enterrar os seus mortos, mas tu vai anunciar o reino de Deus.» 61Houve outro que lhe disse: «Senhor, quero seguir-te, mas primeiro deixa-me ir despedir da família.» 62Jesus declarou: «Todo aquele que pega na charrua e olha para trás não serve para o reino de Deus.»

1. Após a experiência da Sua transfiguração no monte, perante os Apóstolos Pedro, Tiago e João, e depois da conversa com Moisés e Elias sobre “a Sua partida que se iria consumar em Jerusalém” (S. Lucas 9, 28-36), Jesus toma a decisão de ir a Jerusalém.
Tomar uma decisão é das coisas mais difíceis na vida, particularmente quando dela (da decisão) depende a realização de algo importante ou de especial significado para o futuro de quem a toma. Implica o conhecimento de alternativas e a escolha entre estas da que vier a ser a solução mais adequada ao problema a resolver. E, nalguns casos, a tomada de decisão exige também uma forte coragem para assumir a escolha feita. Séneca, o filósofo espanhol do século I a.C. deixou-nos uma frase célebre: “Não existe vento favorável, para quem não sabe o porto onde quer chegar”. Pode dizer-se isto de outra forma: “quem não sabe para onde vai qualquer caminho lhe serve”. Pois, mas porque não se sabe o que se quer, perdem-se oportunidades, isto é, ‘ventos favoráveis’ no mar agitado da vida.
Jesus, no tempo adequado e com serenidade de espírito, toma a decisão de ir para Jerusalém sabendo que ali iria ocorrer a sua paixão e morte. Decidiu ir ao centro do poder religioso e político afrontar as respetivas autoridades numa atitude tão subversiva quanto perigosa, como alguém lhe chamou. Escolheu em função da Sua missão e da vontade do Pai. É realmente o grande desafio que Jesus nos faz. Como Seus seguidores, batizados e acolhidos no seio da Sua Igreja, somos também muitas vezes sujeitos à necessidade de tomar decisões em função do nosso seguimento. Ou seja, estamos sujeitos a escolhas no rumo da nossa vida à luz do porto onde queremos chegar. Por vezes é doloroso, por isso Jesus afirma: “Não temais, se alguém teme a Deus e pratica a Sua vontade, a este atende.” (S. João 9, 31).

2. Os discípulos que Jesus enviou para preparar a Sua ida para Jerusalém tiveram de passar por Samaria, um povo que era hostil aos judeus (ver S. João 4, 9). Ora, quando os samaritanos se aperceberam que os emissários de Jesus iam para Jerusalém, e, portanto, eram judeus, não os receberam, ou dito de modo enfático, expulsaram-nos, não permitindo a sua passagem pela sua terra. Perante tal hostilidade os discípulos Tiago e João propõem responder com fogo do céu para os consumir. O que se passa aqui é o ‘diálogo’ entre samaritanos e discípulos baseado nas atitudes bem humanas da violência e da vingança. Parece que estamos nos dias de hoje… Jesus, porém, reage de forma diferente: repreende os discípulos por aquele pensamento vingativo e segue por outro povoado.
Mas, o que é de assinalar neste episódio, que não se encontra no texto, é uma adição referida pela Bíblia de Jerusalém com suspeita de ser de origem na seita religiosa cristã do século II, o marcionismo, uma das primeiras a ser acusada de heresia. Ora, tal adição dá conta do conteúdo da repreensão de Jesus àqueles dois discípulos: “Não sabeis de que espírito sois. Pois o Filho do Homem não veio para perder a vida dos homens, mas para salvá-la”. E aqui temos uma das questões mais frequentes na história das religiões, a vontade dos humanos de recorrerem ao poder divino para resolver pela violência os seus problemas de relacionamento, levando a morte aos que não são dos ‘nossos’. Ora, Jesus rejeita tal procedimento, pois veio para trazer a vida à pessoa humana (S. João 10,10)e não a morte.

3. A terceira parte do Evangelho de hoje dá-nos conta de três situações de vida que nos permitem perceber o que realmente caracteriza a pessoa de Jesus e também aquilatar das Suas condições para segui-Lo.  
A primeira. Em resposta a alguém que se apresenta para seguir Jesus de modo incondicional, Jesus responde: «As raposas têm tocas e as aves têm ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde encostar a cabeça.»Isto é, seguir a Jesus implica liberdade perante tudo o que nos dá segurança. Encostar a cabeça e adormecer é uma experiência de segurança interior que nos retempera e alenta para novas ações. Mas, até isso Jesus põe em causa perante a possibilidade de nos deixarmos tomar pela ‘excelência’ de tal bem-estar e desviarmos o olhar de Si. A segunda. Agora, é Jesus que convida: “Segue-me”. O convidado não enjeita a possibilidade de O seguir, mas quer primeiro ir ao funeral do pai, ao que Jesus observa: “Deixa os mortos enterrar os seus mortos, mas tu vai anunciar o reino de Deus.” Era um dos deveres mais básicos que a religião impunha, o de sepultar os defuntos. Então, Jesus está a dizer-nos que segui-Lo implica assumir a liberdade perante os preceitos religiosos. A terceira condição. Àquele que se propunha segui-Lo, mas que primeiro queria ir despedir-se da família, Jesus responde: “Todo aquele que pega na charrua e olha para trás não serve para o reino de Deus.”A liberdade total, mesmo perante a própria família.
Eis as circunstâncias que nos podem fazer adiar a decisão de seguir a Jesus. Aqui Jesus indica-nos como afinar o rumo para a tomada de uma decisão. Tendo-O como exemplo de vida e viver como Ele viveu. Ora, Jesus sabe melhor do que ninguém que isso é exigente e, portanto, avisa: “Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz cada dia e siga-me” (S. Lucas 9,23).
 
+ Fernando 
Bispo Emérito da Igreja Lusitana

 
 

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