2º Domingo depois da Páscoa - Comentários bíblicos - Bispo D. Fernando Soares - 1/5/2022

Download PDF

COMENTÁRIO BÍBLICO 
2º Domingo depois da Páscoa – Ano C
01mai2022

Atos 9,1-20; Salmo 30,4-12; Apocalipse 5,11-14
 
S. João 21,1-19
1Mais tarde, Jesus apareceu outra vez aos seus discípulos nas margens do lago de Tiberíades, e manifestou-se desta maneira: 2Estavam juntos Simão Pedro e Tomé, a quem chamavam Gémeo, Natanael, de Caná da Galileia, os dois filhos de Zebedeu e outros dois discípulos. 3Simão Pedro disse aos companheiros: «Vou pescar.» Os outros responderam-lhe: «Nós vamos contigo.» Saíram de casa e meteram-se num barco, mas naquela noite não apanharam nada. 4Ao romper do dia, Jesus apareceu nas margens do lago, mas os discípulos não sabiam que era ele. 5Jesus falou-lhes assim: «Amigos, têm alguma coisa que comer?» Eles responderam: «Nada.» 6Jesus disse-lhes então: «Deitem a rede para o lado direito do barco que hão-de encontrar.» Deitaram-na e, por causa da grande quantidade de peixes, não tiveram forças para a puxar.
7Nisto, o discípulo que Jesus amava disse a Pedro: «É o Senhor!» Mal Simão Pedro ouviu dizer que era o Senhor, vestiu a roupa, pois estava nu, e lançou-se à água. 8Os outros discípulos continuaram no barco, puxando a rede cheia de peixe. Já não estavam muito longe da margem, mas apenas a uns cem metros. 9Quando saltaram para terra, viram ali peixe a assar nas brasas e pão. 10Jesus disse-lhes: «Tragam-me alguns peixes dos que acabam de pescar.» 11Simão Pedro entrou no barco e puxou a rede para terra. A rede vinha cheia de grandes peixes, ao todo cento e cinquenta e três e, mesmo assim, a rede não se rompeu. 12Então Jesus disse-lhes: «Venham comer.» E nenhum discípulo se atrevia a perguntar-lhe quem ele era, porque sabiam muito bem que era o Senhor. 13Jesus aproximou-se deles, tomou o pão e deu-lho; fez o mesmo com o peixe. 14Foi assim que Jesus apareceu pela terceira vez aos discípulos, depois de ter ressuscitado.
15Tendo acabado de comer, Jesus perguntou a Simão Pedro: «Simão, filho de João, tu amas-me mais do que estes?» Pedro respondeu: «Sim, Senhor, tu sabes que te amo.» Jesus disse-lhe: «Então toma conta dos meus cordeiros.» 16Perguntou-lhe Jesus segunda vez: «Simão, filho de João, tu amas-me?» Respondeu-lhe: «Sim, Senhor, tu sabes que te amo.» Jesus disse-lhe: «Toma conta das minhas ovelhas.» 17Jesus perguntou-lhe terceira vez: «Simão, filho de João, tu amas-me?» Pedro ficou triste por lhe ter perguntado terceira vez se o amava e respondeu-lhe: «Senhor, tu sabes tudo. Tu bem sabes que te amo.» Jesus disse-lhe: «Toma conta das minhas ovelhas. 18Repara no que eu te digo: quando eras novo, tu mesmo te arranjavas e ias para onde querias. Mas quando fores velho, estenderás os braços, outro te há-de vestir e levar para onde não queres.» 19Com estas palavras, Jesus queria indicar o género de morte com a qual Pedro havia de dar glória a Deus. Depois acrescentou: «Segue-me!»

1. O capítulo 21 do Evangelho de S. João é referido como tendo sido “acrescentado pelo próprio evangelista ou por um dos seus discípulos” (Bíblia de Jerusalém). Com efeito, dizem os exegetas que numa primeira versão o Evangelho terminava, de forma eloquente, no final do capítulo 20. Realmente no capítulo seguinte “não se detetam diferenças de estilo profundamente significativas” (Frederico Lourenço – a Bíblia, pág. 409). Todavia, existem pormenores que merecem referência. A refeição preparada por Jesus e servida por si aos discípulos (tomou o pão e deu-lho; fez o mesmo com o peixe”) aponta á refeição eucarística referida nos outros Evangelhos, o que é de especial significado tendo em conta que em S. João não se narra a instituição formal da Eucaristia. Também, na enumeração das aparições de Jesus aos discípulos (Foi assim que Jesus apareceu pela terceira vez aos discípulos, depois de ter ressuscitado”), se exclui a ocorrida com Maria Madalena, talvez por não a considerarem como uma verdadeira “discípula”. Além disso, todo o relato da aparição neste capítulo nos dá a impressão de que se trata mais propriamente da primeira. Parece, portanto, que se pode aceitar a tese dum acrescento elaborado por “presumivelmente membros da comunidade cristã que se formara em torno do autor deste Evangelho” (Frederico Lourenço – a Bíblia, pág. 412).  

2. Na segunda parte do Evangelho de hoje narra-se a chamada de Pedro à primazia da comunidade cristã, em nome de Jesus. Para o Senhor, na perspetiva do IV evangelho, Pedro teria as condições pessoais para ser o pastor cuidadoso e vigilante do rebanho, a comunidade dos crentes. Mas, o que era de esperar de quem assumisse esse cargo? Ou, como agora se diz, qual o curriculum vitae mais apropriado àquela função, em termos de experiência profissional, formação e qualificações, aptidões, referências, etc? Jesus usa um outro critério de análise perguntando tão só: “Simão, filho de João, tu amas-me?”. E por três vezes, o que para muitos significa o rebater da tríplice negação de Pedro, por altura da paixão de Jesus.
Percebemos, então, que Jesus define como primordial para o cargo a experiência de relação profunda de Pedro consigo. Isto é, a escolha de Pedro não assentou numa qualquer autoridade pessoal, poder de persuasão ou qualidade intrínseca concedida pelo Espírito Santo, mas na sua tripla resposta de amor preferencial a Jesus, «Sim, Senhor, tu sabes que te amo». Esta é a condição primeira de quem se apreste a seguir Jesus, seja clérigo(a) ou leigo(a), e anunciador(a) do Seu amor transformador e, por isso, salvador. Então, porque aceitou aderir ao amor de Jesus, ao exemplo da Sua vida e às exigências do Seu ensino, ouviu do Senhor a incumbência: «Toma conta das minhas ovelhas». Numa palavra, porque me amas assume o compromisso.

3. S. Paulo ao dizer “Se Cristo não ressuscitou, então é vã a nossa pregação e vã a vossa fé” (I Coríntios 15, 14) quer significar que a ressurreição está no centro da fé cristã e deu origem à comunidade crente, a Igreja. Por isso é cada vez mais necessário ponderarmos sobre se a ressurreição está verdadeiramente no centro da nossa vida cristã. Basta, em silêncio, perguntarmos: se se apagasse a luz desse momento fundador de um novo olhar para a humanidade o que aconteceria?
Conta-se que no princípio do século passado, numa aldeia longínqua da Rússia, depois de um discurso revolucionário de 2 horas a explicar ao povo a importância de deixar a religião, foram concedidos ao padre local 5 minutos para rebater a ideologia bolchevique contra a religião. O homem subiu ao palanque e, depois de um breve silêncio, gritou com voz clara: “Aleluia! Jesus Cristo ressuscitou!”, ao que o povo respondeu alegre e em uníssono: “Ressuscitou verdadeiramente o Senhor! Aleluia!”. Não era preciso explicar mais nada. Assim se manifestou a ressurreição de Jesus vivida como o fundamento da fé cristã e expressa como a trave mestra dos comportamentos dos crentes em Jesus ressurreto em cada dia. No meio das nossas incapacidades de compreensão, a ressurreição não é algo periférico e acidental, é, isso sim, o mistério divino que a coloca no centro da vida divina e humana.

+ Fernando
Bispo Emérito da Igreja Lusitana

 

 

Igreja Lusitana Católica Apostólica Evangélica - Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.