Domingo de Ramos - Comentários bíblicos - Bispo D. Fernando Soares - 10/4/2022

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COMENTÁRIO BÍBLICO 
Domingo de Ramos – Ano C
10abr2022


S. Lucas 19, 28-40 – A Entrada de Jesus em Jerusalém
28Depois de dizer isto, Jesus seguia à frente do povo para Jerusalém. 29Quando estava perto de Betfagé e Betânia, junto do Monte das Oliveiras, mandou dois discípulos 30com este recado: «Vão à povoação que fica ali em frente. Logo que lá entrarem encontrarão um jumentinho preso, que ainda ninguém montou. Soltem-no e tragam-no cá. 31Se alguém lhes perguntar por que é que fazem isso, digam que é o Senhor que precisa dele.» 32Eles foram e encontraram tudo como Jesus lhes tinha dito. 33Quando estavam a soltar o jumentinho, os donos disseram: «Por que é que estão a soltar o jumento?» 34E eles responderam: «O Senhor precisa dele.» 35Levaram-no então a Jesus e puseram as suas capas por cima do jumento. Depois ajudaram Jesus a montar. 36À medida que Jesus avançava, as pessoas estendiam as capas pelo caminho. 37Ao chegarem perto da descida do Monte das Oliveiras, todos os discípulos começaram a gritar de alegria e a dar louvores a Deus pelos milagres que tinham visto. 38E exclamavam: «Bendito seja o rei, que vem em nome do Senhor! Paz no Céu e glória nas alturas!» 39Então alguns fariseus que estavam entre a multidão disseram: «Mestre, repreende os teus discípulos.» 40Mas Jesus respondeu-lhes: «Olhem que se estes se calarem, até as pedras hão-de gritar.»
 
1. A celebração do Mistério Pascal de nosso Senhor inicia-se no Domingo de Ramos com a comemoração da entrada de Cristo em Jerusalém para aí completar a Sua obra de salvação, sofrendo, morrendo e ressuscitando.
Neste modo de entrar na cidade santa há algo de provocador. Um pobre (“O Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça” – S. Lucas 9,58), montado num jumento (asno, animal de levar carro ou carga) tendo por selim as capas, aclamado por gente humilde, não é propriamente uma entrada triunfal, à medida das que aconteciam na altura nas chegadas de generais romanos às cidades importantes. Ou seja, Jesus sabia que entrava em Jerusalém não para triunfar e ser poder, mas para fracassar. Também, o povo que O aclamava, com as palavras do Salmo 118, 25-26, era gente dominada, ameaçada, assustada, sem esperança (Salmo 118, 5-14). Então, o episódio e aclamação referidos nos 4 evangelhos, vem dizer-nos quanto Jesus é esperança precisamente para os últimos. Ao iniciar-se a Semana Santa devemos ponderar se este tempo pode ou não ser para nós fonte de esperança.  
 
Isaías 50,4-9; Salmo 31,9-16; Filipenses 2,5-11
 
S. Lucas 22,14-23,56 – o Evangelho da Paixão
14Quando chegou a altura, Jesus sentou-se à mesa com os apóstolos 15e disse-lhes: «Desejei ardentemente comer convosco esta Páscoa antes de morrer. 16Pois afirmo-vos que não voltarei a comê-la até que ela receba o seu significado completo no reino de Deus.» 17Pegou então no cálice, deu graças a Deus e disse: «Tomem, repartam-no entre todos, 18pois digo-vos que, a partir de agora, não voltarei a beber vinho até que chegue o reino de Deus.» 19Depois pegou no pão, deu graças a Deus, partiu-o, deu-o aos discípulos: «Isto é o meu corpo entregue à morte para vosso benefício. Façam isto em memória de mim.» 20Do mesmo modo, depois da ceia, pegou no cálice e disse: «Este cálice é a nova aliança de Deus confirmada com o meu sangue, derramado para vosso benefício.» 21«Mas reparem que aquele que me vai trair está aqui comigo à mesa. 22Na realidade, o Filho do Homem vai seguir o caminho que lhe foi traçado por Deus, mas ai daquele homem que o vai trair!» 23Eles então começaram a perguntar uns aos outros qual deles é que iria fazer uma coisa daquelas.
24Os discípulos tiveram uma discussão sobre qual deles seria o mais importante. 25Mas Jesus observou: «Os reis do mundo consideram-se senhores dos povos e os que têm poder passam por benfeitores públicos. 26Mas convosco não pode ser assim. Pelo contrário, aquele que for o maior proceda como se fosse o mais pequeno, e o que governar proceda como quem serve os outros. 27Qual será mais importante? O que está sentado à mesa a comer ou o que está a servir? Claro que é o que está sentado à mesa! Pois bem, aqui entre todos eu sou como aquele que serve.» 28E acrescentou: «Eu sempre vos tive comigo em todas as minhas aflições. 29Por isso ponho à vossa disposição um reino, como meu Pai o pôs à minha disposição, 30para que comam e bebam à minha mesa no meu reino e se sentem em tronos para julgarem as doze tribos de Israel.»
31«Simão! Simão!», disse ainda o Senhor, «olha que Satanás pediu para vos experimentar a todos, como quem passa o trigo por um crivo, 32mas eu roguei a Deus por ti para que a tua fé não falhe. E tu, quando voltares para mim, encoraja os teus irmãos.» 33Pedro respondeu: «Senhor, estou disposto a ir contigo até à prisão e até à morte.» 34«Olha, Pedro», avisou-o Jesus, «não cantará hoje o galo sem que me tenhas negado três vezes.» 35E perguntou aos discípulos: «Quando vos mandei sem bolsa, nem saco, nem calçado, faltou-vos por acaso alguma coisa?» «Não!», responderam eles 36Jesus prosseguiu: «Pois agora, aquele que tiver bolsa, leve-a consigo, bem como o saco. E o que não tiver espada, venda a capa e compre uma. 37Afirmo-vos que irá cumprir-se em mim aquela frase da Escritura: Foi considerado como um criminoso. Realmente, tudo o que está escrito a meu respeito vai-se cumprir.» 38Eles então disseram-lhe: «Senhor, temos aqui duas espadas.» E Jesus: «É suficiente.»
39Jesus saiu para o Monte das Oliveiras, como era seu costume. Os discípulos foram com ele. 40Quando lá chegou, disse-lhes: «Peçam a Deus para não caírem em tentação.» 41Afastou-se deles a uma curta distância e, pondo-se de joelhos, orava assim: 42«Pai, se for do teu agrado, livra-me deste cálice de amargura. No entanto, não se faça a minha vontade, mas sim a tua.» 43Nisto, apareceu-lhe um anjo do Céu que veio dar-lhe forças. 44Jesus estava muito angustiado e orava ainda com mais fervor, enquanto o suor lhe caía no chão, como grandes gotas de sangue. 45Depois da oração, levantou-se e foi ter com os discípulos, mas encontrou-os abatidos pela tristeza. 46«Estão a dormir? Levantem-se e orem, para não caírem em tentação», disse-lhes. 47Ainda Jesus estava a falar quando chegou uma multidão. À frente vinha Judas, que era um dos doze discípulos. Aproximou-se de Jesus para lhe dar um beijo 48e Jesus perguntou-lhe: «Judas, é com um beijo que atraiçoas o Filho do Homem?» 49Quando os discípulos que estavam com Jesus viram o que ia acontecer, adiantaram-se: «Senhor, queres que ataquemos à espada?» 50E um deles atacou logo o criado do chefe dos sacerdotes, cortando-lhe a orelha direita. 51Mas Jesus respondeu: «Basta! Deixem-nos.» E, tocando com a mão na orelha do homem, curou-o. 52Jesus dirigiu-se aos chefes dos sacerdotes, aos oficiais do templo e aos anciãos que foram para o prender: «Vieram aqui com espadas e paus para me prenderem, como se eu fosse um ladrão? 53Estava convosco todos os dias no templo e não me prenderam! Mas esta é a vossa hora, é o poder das trevas!»
54Eles prenderam Jesus e levaram-no à casa do chefe dos sacerdotes. Pedro seguia-o à distância. 55Alguns acenderam uma fogueira no meio do pátio e estavam sentados em volta para se aquecerem. Pedro sentou-se também entre eles. 56A certa altura, uma criada que o viu sentado junto da fogueira pôs-se a olhar para ele: «Este também lá estava com ele!» 57Mas Pedro negou: «Eu nem o conheço, mulher!» 58Pouco depois, outro criado viu-o e exclamou: «Tu também és um deles!» Porém Pedro respondeu: «Ó homem, não sou!» 59Daí por cerca de uma hora apareceu outro que insistiu: «Não há dúvida de que este estava com ele, porque também é da Galileia!» 60E Pedro reafirmou: «Ó homem, não sei de que estás a falar!» Ainda ele estava a proferir estas palavras quando um galo cantou. 61O Senhor então voltou-se, olhou para Pedro, que se lembrou do que ele lhe disse: «Não cantará hoje o galo sem que me tenhas negado três vezes.» 62Então Pedro saiu dali e chorou amargamente.
63Os homens que estavam a guardar Jesus faziam troça dele e batiam-lhe. 64Enquanto isto, vendaram-lhe os olhos e perguntavam: «Se és profeta, adivinha quem te bateu!» 65E diziam muitas outras coisas para o insultar. 66Quando se fez dia, reuniu-se o conselho dos anciãos do povo, chefes dos sacerdotes e doutores da lei e levaram Jesus à presença do tribunal judaico. 67Interrogaram-no então: «Diz-nos lá, és tu o Messias?» E ele respondeu: «Se vos disser que sim, não acreditam, 68e se vos fizer uma pergunta não me dão resposta. 69Mas a partir de agora o Filho do Homem estará sentado à direita de Deus todo-poderoso.» 70Eles exclamaram todos: «Então és o Filho de Deus?» Ao que Jesus replicou: «Acabaram de dizer que eu o sou!» 71Assim concluíram: «Já não precisamos de mais provas! Nós próprios ouvimos o que ele afirmou!»
 
Capítulo 23
1Levantaram-se todos e levaram Jesus a Pilatos. 2Então começaram a acusá-lo: «Apanhámos este homem a revoltar o nosso povo, dizendo que não se deviam pagar impostos ao imperador e fazendo-se passar pelo Messias-Rei.» 3Pilatos inquiriu: «És tu o rei dos judeus?» «Tu o dizes», retorquiu Jesus. 4Pilatos falou assim aos chefes dos sacerdotes e à multidão: «Não acho razão para condenar este homem.» 5Mas eles insistiam cada vez mais: «Olha que ele tem andado a agitar o povo com aquilo que ensina por todo o país, desde a Galileia até aqui.»
6Quando Pilatos ouviu isto, perguntou se aquele homem era da Galileia. 7Sendo informado que Jesus pertencia à região governada por Herodes, enviou-lho, pois Herodes estava naquela altura em Jerusalém. 8Herodes ficou muito contente por ver Jesus. Com efeito, desde há bastante tempo que desejava conhecê-lo, porque ouvia falar muito dele. Esperava mesmo que Jesus fizesse algum sinal milagroso na sua presença. 9Perguntou-lhe muitas coisas, mas Jesus não respondeu a nenhuma. 10Os chefes dos sacerdotes e os doutores da lei levantaram-se, acusando Jesus com grande insistência. 11Então Herodes, juntamente com os seus soldados, tratou-o com desprezo. Mandou que o vestissem com um manto vistoso e enviou-o a Pilatos. 12Nesse mesmo dia Pilatos e Herodes ficaram amigos, pois antes disso andavam de relações cortadas. 13Pilatos reuniu então os chefes dos sacerdotes, as autoridades e o povo, e falou-lhes assim: 14«Trouxeram-me este homem e disseram-me que ele tem andado a revoltar o povo. Mas interroguei-o aqui na presença de todos e não lhe encontro crime nenhum daqueles de que o acusam. 15Nem mesmo Herodes o achou culpado, pois como estão a ver ele mandou-o outra vez para nós. Olhem que ele não fez nada que mereça a pena de morte. 16Portanto, vou pô-lo em liberdade, depois de o ter castigado.» 17[Durante a festa da Páscoa, Pilatos tinha sempre que lhes soltar um preso.] 18Mas todos começaram a gritar ao mesmo tempo: «Fora daqui com ele! Solta-nos mas é Barrabás!» 19Este Barrabás tinha sido preso por causa duma revolta ocorrida na cidade e por homicídio. 20Pilatos, querendo soltar Jesus, falou outra vez ao povo. 21Contudo, aquela multidão gritava cada vez mais: «Crucifica-o! Crucifica-o!» 22Pilatos insistiu pela terceira vez: «Mas que mal fez ele? Não lhe encontro nenhum crime que mereça a pena de morte. Por isso, vou pô-lo em liberdade, depois de o castigar.» 23Eles insistiam aos gritos que fosse crucificado. E tanto gritaram 24que Pilatos acabou por lhes fazer a vontade: 25soltou-lhes, como eles queriam, o homem que tinha sido preso como revoltoso e assassino, e entregou Jesus para que o povo fizesse dele o que quisesse.
26Quando o levavam, obrigaram um homem de Cirene chamado Simão, que vinha do campo, a carregar a cruz de Jesus às costas e a seguir atrás dele. 27Ia também uma grande multidão em que se viam algumas mulheres que choravam e se lamentavam por causa dele. 28Jesus voltou-se e disse-lhes: «Mulheres de Jerusalém, não chorem por mim, chorem antes pelas vossas vidas e pelos vossos filhos. 29Há de vir o tempo em que se dirá: “Felizes as mulheres que não podem ter filhos, e que nunca os tiveram, e que nunca os amamentaram!” 30Nessa altura as pessoas começarão a dizer às montanhas: “Caiam em cima de nós!” e às colinas: “Escondam-nos!” 31Pois se tratam desta maneira a árvore verde que será da que estiver seca?» 32Também levavam dois criminosos para os matarem juntamente com Jesus. 
33Chegaram ao lugar chamado Caveira e ali o pregaram numa cruz, bem como aos dois criminosos: um à sua direita e o outro à sua esquerda. 34Jesus porém dizia: «Pai, perdoa-lhes, que não sabem o que fazem!» Eles dividiram entre si a roupa de Jesus, depois de terem deitado sortes. 35O povo olhava para aquilo tudo, enquanto as autoridades judaicas faziam troça dele e diziam: «Salvou os outros, que se salve a si mesmo, se é o Messias a quem Deus escolheu!» 36Também os soldados escarneciam dele; aproximavam-se, ofereciam-lhe vinagre 37e diziam: «Salva-te a ti mesmo, se és o rei dos judeus.» 38Por cima de Jesus estava um letreiro com estes dizeres: «Este é o rei dos judeus.»
39Um dos criminosos crucificados insultava-o assim: «Então não és o Messias? Salva-te a ti mesmo e a nós!» 40Mas o outro repreendia-o: «Não tens temor a Deus, tu que estás a sofrer a mesma condenação? 41Nós estamos aqui a pagar o justo castigo pelos atos que temos praticado, mas este não fez nada de mal.» 42E pediu a Jesus: «Lembra-te de mim quando chegares ao teu reino.» 43Jesus respondeu-lhe: «Podes ter a certeza que hoje mesmo estarás comigo no paraíso.»
44Era quase meio-dia quando o Sol deixou de brilhar e toda a Terra ficou às escuras até às três horas da tarde. 45A cortina do templo rasgou-se ao meio. 46Então Jesus deu um grande brado e disse: «Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito.» Mal acabou de pronunciar estas palavras, morreu. 47Ao ver isto, o oficial romano que ali estava deu glória a Deus exclamando: «Este homem era realmente justo!» 48As pessoas que lá se juntaram para presenciar o que acontecia, depois do que viram, voltaram para casa a bater no peito. 49Todos os que conheciam Jesus pessoalmente, incluindo as mulheres que o tinham acompanhado desde a Galileia, ficaram a uma certa distância a ver o que se passava. 50Havia um homem chamado José, da cidade de Arimateia, na região da Judeia, que era pessoa de bem, muito religioso, e esperava também a vinda do reino de Deus. 51Fazia parte do tribunal judaico, mas não tinha concordado com o que se fez. 52Foi ter com Pilatos e pediu-lhe o corpo de Jesus. 53Depois tirou-o da cruz, envolveu-o num lençol e foi sepultá-lo num túmulo aberto na rocha, onde ainda ninguém tinha sido sepultado. 54Era sexta-feira e estava quase a começar o sábado. 55As mulheres que tinham vindo com Jesus desde a Galileia foram atrás de José. Viram o túmulo e como o corpo de Jesus lá foi sepultado. 56Quando voltaram para casa prepararam perfumes e unguentos para o corpo. Mas no sábado descansaram, como manda a lei.
 
2. Para facilitar a leitura eis o sumário dos episódios deste Evangelho da Paixão, segundo S. Lucas: a instituição da Eucaristia; a discussão entre os Apóstolos sobre qual deles era o mais importante; o anúncio da negação de Pedro; a oração de Jesus no Monte das Oliveiras; o beijo da traição de Judas; a prisão de Jesus; a tríplice negação de Pedro; Jesus no tribunal judaico; o interrogatório de Herodes; Jesus no tribunal de Pilatos; o caminho da cruz; a crucificação de Jesus; o pedido do bom ladrão; a morte de Jesus; o sepultamento de Jesus.
Bem cedo, entre os anos 50 e 55 da era cristã, S. Paulo, “um apaixonado, uma alma de fogo que se consagra sem limites a um ideal (…) essencialmente religioso” (Bíblia de Jerusalém), afirma a existência de uma tradição que lhe era anterior para interpretar a morte de Jesus como um acontecimento ‘religioso’ e ‘sagrado’: “Transmiti-vos, em primeiro lugar, aquilo que eu mesmo recebi: Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras” (I Coríntios 15,3). Para o teólogo católico romano José María Castillo, o Apóstolo “interpreta a morte de Jesus como o ‘sacrifício sacerdotal’ (Hebreus 7,27; 9,12; 10,1; I Coríntios 10,16-21) e o ato de ‘expiação’ (Hebreus 5,7; 7,25; 9,24) por meio do qual ficou reparada a desordem radical que procedia da desobediência do primeiro homem, Adão, origem e causa do mal no mundo.”[i]  Porém, mais tarde, a partir dos anos 70, os 4 evangelhos narram aqueles acontecimentos apresentando uma perspetiva humana, onde “nada é exagerado nem arranjado para glorificar a vítima”(Romano Guardini). Ali, Jesus é apresentado como um homem só, abandonado pelos do seu grupo, traído por um e negado por outro, e uma vítima de jogos de poder entre o Sinédrio (autoridade religiosa) e Pilatos (a autoridade romana) cuja condenação foi decretada pela respetiva autoridade judicial. Ou seja,  “segundo S. Paulo, Jesus morreu na cruz porque assim Deus o decidiu. Enquanto que, segundo os evangelhos, Jesus morreu na cruz porque viveu e falou de maneira que as autoridades viram nEle uma ameaça intolerável.”[ii] As autoridades religiosas viram-No como um perigo “para o templo e para a nação” (S. João 11, 48); Pilatos viu-O como um agitador subversivo, uma ameaça para o império romano (S. João 19, 12-16). Duas interpretações não se opõem, antes, complementam-se, desde que se aceite o Evangelho como o fundamento da nossa fé. 
 
3. Afinal, estamos perante dois desafios que são as consequências do ser cristã(o).
O primeiro, perceber na leitura da Paixão e Morte de Jesus a humanidade a que somos chamados em compaixão e piedade pelo sofrimento de todas as vítimas de injustiças perpetradas por poderes e interesses vários, como agora estamos a ver na guerra da invasão da Ucrânia pelas forças russas. Ou seja, como Jesus, lavar os pés e ser alimento revigorante dos que definham à míngua, desesperançados e com sede de amor. Como Jesus, ultrapassar o desinteresse e a indiferença e usar a liberdade da fé para enfrentar os poderosos deste mundo que causam tanto sofrimento e devastação na natureza.  
O segundo desafio, reconhecer que Deus está no meio de nós, que nunca nos abandona e que não perde o controlo de tudo o que acontece. Assim, também, com a Paixão e Morte de Seu Filho e nosso Salvador. Ao dizer-nos “eu estou no Pai e o Pai está em mim” (S. João 14,10)Jesus ‘enquadra-se’ no plano divino para a humanidade e, portanto, todos os acontecimentos da Sua vida expressam a vontade de Deus. E o Senhor permitiu que seu Filho sofresse, morresse e ressuscitasse para trazer ao ser humano a esperança da vida eterna. A nós, imperfeitos e pecadores, cabe-nos orar “para que nos seja dado aquele acréscimo de fé e de esperança que é necessário para ler a vida com os olhos de Deus”[iii].
 
+ Fernando
Bispo Emérito da Igreja Lusitana


[i]José María Castillo, “La religión de Jesús”, Desclée De Brouwer, 2015, pág. 191
[ii] José María Castillo, Idem
[iii]Carlo Maria Martini, “Tomados de Assombro”, Paulinas Editora, 2013, pág. 139.
 

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